O buenismo como motor político

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Parece-me que os espanhóis nunca darão o devido valor ao enorme dano à nação causado pelos oito anos de governo do socialista Zapatero. Deixaram uma marca indelével, que consiste na generalização da estupidez política e do buenismo, que equivale à irresponsabilidade. A ceder a custódia da própria vida ao Estado desde que nascemos até que morremos. Este é um veneno incubado com sucesso no corpo social do meu país, que contaminou todos os partidos, entre eles o PP, avivando o seu ramo democrata-cristão, que acredita que o capitalismo é incompatível com a fé católica e que o liberalismo te leva diretamente ao inferno. De acordo com esta nova religião, a ministra do Trabalho, Fátima Báñez, anunciou que vai promover um pacto nacional para que a jornada laboral acabe às seis da tarde. A ideia é um disparate num país que tem uma taxa de desemprego que ronda os 20%, o desemprego jovem mais alto da UE e um absentismo laboral que é dos mais elevados do Continente. O que Espanha precisa não é conciliação familiar, mas trabalho. Mas o PP, que com uma reforma laboral mais modesta conseguiu promover a criação de emprego até níveis inéditos na União, agora parece disposto a destruir a sua grande obra em nome do politicamente correto.

A subida de 8% do salário mínimo, com a qual nunca tinha sonhado Zapatero, é um castigo imerecido para os jovens e os trabalhadores menos qualificados, e um sinal nefasto para as empresas, que vão enfrentar umas negociações mais conflituosas do que nunca com uns sindicatos fortalecidos pelo remédio administrado. O aumento do imposto sobre as sociedades repercutirá diretamente sobre os trabalhadores no presente e sobre o investimento e a criação de emprego no futuro. E o que dizer do aumento das quotas que se pagam à Segurança Social para financiar o sistema de pensões, que é uma facada no aumento da população ativa?

Em Espanha, por causa da necessidade do PP de pactuar para continuar a governar, e sobretudo por ter abjurado qualquer determinação em sustentar uma visão liberal da política, a moda do momento é que é preciso castigar fisicamente as grandes empresas de forma a reforçar o gasto social. É um erro imenso, porque subir os impostos às empresas prejudicará os cidadãos, seja pela via do desemprego, seja pelo aumento dos preços dos bens e serviços, seja por uma menor remuneração do investimento.

Instalou-se no país a ideia de que as empresas são seres completamente desvinculados da sociedade, apenas relacionadas com uns poucos acionistas que as utilizam para explorar os trabalhadores. Mas nada está mais longe da verdade. As empresas pequenas, médias ou grandes são o centro nevrálgico do sistema económico. São o microcosmos dentro do qual se desenvolvem os planos de negócio, se organizam os fatores produtivos, se estendem pontes coordenadoras com o resto da sociedade e se promove a inovação face ao futuro. Penalizar as empresas equivale a castigar o progresso. As empresas que vejam serem aumentadas as suas obrigações tributárias tratarão de as compensar com menos contratações ou salários mais baixos. Se as Finanças reduzem com impostos a rentabilidade de certos investimentos, as empresas vão cortá-los ou condicioná-los a que os empregados aceitem salários mais baixos. E se são incapazes de repercutir nos seus trabalhadores o aumento dos impostos, tratarão de o fazer com os consumidores, aumentando os preços que pedem aos clientes pelos seus serviços. Finalmente, se as empresas não conseguirem repercutir a subida de impostos nem sobre os trabalhadores nem sobre os consumidores, serão os acionistas a pagar o custo. E convém recordar que uma grande empresa possui milhares de proprietários: para estes efeitos não contam só os acionistas com participação de controlo; também contam, e muito, os pequenos e médios investidores que possuem títulos nas companhias ou que têm participações em vários fundos que investem nelas. Por isso, castigar com uma fiscalidade excessiva os lucros empresariais equivale a penalizar milhares de aforradores que sustentam o tecido empresarial. Os impostos sobre as empresas reduzem os salários, aumentam os preços e enfraquecem a poupança com o pretexto de multiplicar o gasto público clientelar, de subvencionar a improdutividade e a paralisação económica.

Como lhes dizia, a última proposta do governo espanhol é que a jornada laboral acabe às seis da tarde, uma invasão inaceitável na esfera privada cuja única consequência será aumentar os custos empresariais e prejudicar o emprego. O razoável é que as empresas pactuem com os seus trabalhadores o horário laboral que melhor se adapte ao negócio, que seja o mais eficiente, e que procure a maior rentabilidade e obtenção de lucro possível, que é a única maneira de poder favorecer a largo prazo os trabalhadores. O resto são ninharias produto dessa ideologia suave que se criou na sociedade espanhola desde que Zapatero a esgotou espiritualmente após a sua longa estadia no poder.

Mas não pensem que o PP está preocupado com esta deriva para o socialismo, que é tão populista como a que Rajoy critica falando de outros. Está encantado com os pactos e com que se reconheça a sua genuína inclinação social na sua versão democrata-cristã. O exército de brandos made in Zapatero que povoa o PP está feliz por se ter conhecido. Tal como a esquerda, a direita moderna pensa que as grandes empresas são o saco sem fundo que é preciso espoliar e sacudir a custo zero. E assim primeiro fere-as com mais impostos, com o objetivo de financiar as propostas de gastos sociais do Parlamento nauseabundo que temos, e depois pretende que se cumpra essa absurda ideia de finalizar a jornada laboral às seis, que não acaba aí, pois também estão a estudar mudar o nosso fuso horário espanhol para o do Reino Unido e Portugal, porque supostamente traria enormes vantagens, e ajudaria a conciliar a vida laboral e familiar com o objetivo de todos sermos definitivamente felizes.

Infelizmente, como às vezes sucede na política, depositamos sempre excessivas esperanças numa humilde mudança legal. Quando se lê o escritor catalão Josep Pla, comprova-se que os almoços longos e tardios - que os "brandos" contemporâneos espanhóis consideram ofensivos, e os estrangeiros uma extravagância inevitável - já existiam em Madrid nos anos 30, antes de Franco mudar o relógio. Os horários horrorosos não têm nada a ver com o fuso escolhido. Pode acontecer, e será normal, que passemos a Greenwich e mantenhamos o nosso estilo de vida exatamente igual, porque cada país tem a sua idiossincrasia inalterável, graças a Deus. O único efeito indiscutível e inevitável da mudança seria tirar duas horas de coincidência com o horário laboral da União Europeia (exceto Reino Unido e Portugal), com os problemas que isso traz em diversas questões práticas, minando a eficiência das trocas de comunicações e de todo o tipo que temos com aqueles países com os quais temos maior relação económica.

Atendendo à geografia, França teria as mesmas razões que Espanha para passar a Greenwich, mas, com bom critério, nem o fez nem ninguém defende que o faça. Isto não acontece em Espanha, onde o governo parece ter perdido o senso comum e onde as propostas disparatadas de uns e outros se sucedem a cada dia. Deixem-nos, aos que adoramos Londres e Lisboa, que cheguemos ali com a ideia de termos ganho uma hora para desfrutar dos seus encantos!

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