O Brexit salvou os liberais-democratas?

Partido liderado por Jo Swinson, escocesa de 39 anos, renasceu nas cinzas com a crise do Brexit. Na conferência anual de Bournemouth, que se realiza entre este sábado e a próxima terça-feira, liberais-democratas vão discutir a hipótese de incluir no seu manifesto eleitoral a revogação da ativação do Artigo 50.º, ou seja, o cancelamento do Brexit
Publicado a
Atualizado a

No Reino Unido, as sondagens colocam o Partido Conservador em primeiro lugar, o Labour em segundo e o Partido Liberal-Democrata em terceiro. Mas isso pode mudar. Como aconteceu, aliás, nas europeias de maio, quando os liberais-democratas foram a segunda formação mais votada pelos britânicos logo a seguir aos conservadores. Na altura, o partido era ainda liderado pelo septuagenário Vince Cable, o qual passou o testemunho, em julho, à jovem Jo Swinson.

Na última sondagem do instituto Kantar, realizada entre 9 e 10 de setembro, datas da suspensão do Parlamento britânico, os conservadores de Boris Johnson surgem com 38% das intenções de voto, o Labour de Jeremy Corbyn com 24%, os liberais-democratas de Jo Swinson com 20% e o Partido do Brexit de Nigel Farage com 7%. Em relação à sondagem de agosto do mesmo instituto, os conservadores descem 4%, tal como os trabalhistas, os liberais sobem 5% e o Brexit 2%. Ou seja, o partido de Jo Swinson é o que mais cresceu em intenções de voto no espaço de um mês.

Na intervenção que fez na segunda-feira na câmara dos Comuns, última sessão antes da suspensão do Parlamento, Jo Swinson, de 39 anos, prometeu que, se houver eleições, o seu partido irá defender a anulação do Brexit, através da revogação pura e simples da ativação do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa. "Quando houver eleições, a nossa posição é bastante clara e inequívoca. Um governo liberal-democrata não renegociaria o Brexit, iríamos cancelá-lo através da revogação da ativação do Artigo 50.º e iríamos permanecer na União Europeia", confirmou Swinson, ao Guardian.

"As linhas de divisão do Brexit já não são entre esquerda e direita e foi nisso que o duopólio da política Labour-Conservadores sempre se apoiou. As linhas de divisão fundamentais são agora entre valores liberais e autoritários e nós, como liberais-democratas, estamos claramente num dos lados. Tanto o Labour como os Conservadores estão a tentar atravessar essas linhas de divisão, mas ambos os partidos estão a fazer demasiado barulho durante essa tentativa", afirmou, ao mesmo diário, a líder do Partido Liberal-Democrata. Swinson acusa Corbyn de "estar a falhar totalmente" e Boris de encarar a política como "um mero jogo".

Fontes dos lib-dem, citadas pelo mesmo jornal, indicaram que, com esta posição, o partido agora liderado pela jovem escocesa pretende distinguir-se, de forma clara aos olhos dos eleitores, dos trabalhistas de Corbyn. O antigo deputado do Labour Chuka Umunna, que se passou para os liberais-democratas depois de ter estado no Change Uk!, disse: "Jeremy Corbyn sempre foi um brexiteer e ficará bastante tranquilo se vier a haver mesmo um Brexit. Pelo contrário, os liberais-democratas de Swinson são agora o maior partido a defender o Remain no Reino Unido. Estamos determinados a fazer tudo o que for possível não só para travar um No Deal Brexit mas para travar um Brexit". Esta posição será incluída no manifesto eleitoral do partido se os seus membros assim decidirem na conferência anual que decorre, entre sábado e terça-feira, em Bournemouth, Inglaterra.

Corbyn sempre resistiu tanto a apresentar moções de censura viáveis contra Theresa May, como a negociar com ela, como a apresentar alternativas credíveis ao acordo que ela conseguiu negociar com a UE27, como a defender um segundo referendo, como a aceitar ir a jogo em eleições antecipadas frente a Boris Johnson. Nas duas vezes em que as suas moções nesse sentido foram derrotadas, no Parlamento, o primeiro-ministro e líder dos conservadores afirmou que Corbyn é o primeiro líder da oposição na história do Reino Unido a fugir ao desafio de umas eleições antecipadas.

Chuka Ummunna não é o único desertor a ter-se passado para o lado dos liberais-democratas. No dia 3 de setembro, enquanto o primeiro-ministro discursava nos Comuns o deputado conservador Phillip Lee levantou-se e foi sentar-se na bancada do partido liderado por Jo Swinson, deixando Boris Johnson sem maioria Parlamentar, nem mesmo com o apoio dos 10 deputados eleitos pelo Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP). Nas europeias, houve pessoas de outros partidos que votaram nos liberais-democratas, como Alastair Campbell, ex-chefe de gabinete de Tony Blair, que depois disso foi alvo de um processo de expulsão do Labour por parte da liderança de Jeremy Corbyn. As divisões no Labour e nos Tories têm vindo a beneficiar os liberais-democratas e a afirmá-los como uma espécie de terceira via.O número de militantes atingiu um recorde, de 120 mil, que será celebrado na conferência de Bournemouth.

O partido, que durante a liderança de Tim Farron e Vince Cable, parecia estar a preparar-se mais para ser extinto do que para governar, encontrou, subitamente, na crise do Brexit, um balão de oxigénio. O partido passou grande parte desta década a pagar o preço da sua coligação de governo com os conservadores entre 2010 e 2015. Se em 2010, com Nick Clegg, os liberais-democratas elegeram 57 deputados, em 2017, nas eleições antecipadas convocadas por Theresa May, tiveram 12. O Fixed-term Parliament Act, que agora impediu Boris de conseguir eleições por falhar uma maioria de dois terços do Parlamento, foi uma exigência, na altura, de Clegg a David Cameron, então líder dos Conservadores, para aceitar formar a coligação. Agora, o número de militantes liberais-democratas atingiu um recorde, de 120 mil pessoas, um número que será celebrado na conferência de Bournemouth.

Clegg, que hoje trabalha para o Facebook como líder dos Assuntos Globais e defende um segundo referendo sobre o Brexit, foi das primeiras pessoas a assumir a necessidade de, um dia, o Reino Unido ter que fazer um referendo sobre a sua permanência na União Europeia. "É tempo de removermos o espinho e sararmos a ferida, tempo de ter o debate político que, de forma cobarde, evitamos há 30 anos - é tempo de fazer um referendo sobre a grande questão. Queremos estar dentro ou fora? Ninguém, no Reino Unido, com menos de 51 anos, alguma vez foi colocado perante esta questão. Ninguém pôde votar no referendo de 1975. Isso inclui metade dos deputados. Duas gerações nunca tiveram a oportunidade de dizer de sua justiça (...) Queremos um referendo com substância. Esta geração merece uma oportunidade de dizer o que quer em relação à Europa - ficar ou sair", escreveu o liberal-democrata, a 25 de fevereiro de 2008, no jornal The Guardian, num artigo intitulado: "Ask the under-50s", ou seja, "Façam a pergunta a quem tem menos de 50 anos."

Entretanto, Cameron decidiu mesmo levar o referendo para a frente, mas tal como Clegg pensou que o Remain ganhava, isto se a consulta popular alguma vez conseguisse ver a luz do dia. Algo que ele achava que não iria acontecer. Segundo o atual presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, David Cameron só prometeu o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia porque achava que ele não ia acontecer. Entrevistado para um documentário, transmitido pela BBC Two, em janeiro deste ano, o ex-primeiro-ministro polaco conta sobre o ex-primeiro-ministro britânico: "Eu perguntei a David Cameron 'porque é que decidiste fazer este referendo - é tão perigoso, estúpido até, sabes. Então ele disse-me - e eu fiquei surpreendido e chocado - que a única razão era o seu próprio partido'."

Quando Tusk teve aquela conversa com Cameron este parecia seguro de que Clegg, seu parceiro de coligação, não aceitaria realizar um referendo. "Ele disse-me que se sentia relativamente à vontade porque, ao mesmo tempo, achava não existir risco de haver mesmo um referendo. Isto porque o seu parceiro de coligação, os liberais-democratas, iria bloquear a ideia. Mas depois, surpreendentemente, ele ganhou as eleições e não precisou de renovar a coligação. Então, paradoxalmente, David Cameron tornou-se vítima da sua própria história", declarou o presidente do Conselho Europeu, no âmbito do "Inside Europe: 10 Years of Turmoil". Cameron prepara-se agora para quebrar o silêncio, no próximo dia 19, com o lançamento do seu livro de memórias intitulado "For the Record" ou seja, "Para que fique registado".

O problema foi que, no referendo de 23 de junho de 2016, os mais jovens ficaram em casa e os mais velhos foram votar. Sobretudo no Leave, não no Remain. O resultado, a nível nacional, foi 52% a favor do Brexit e 48% contra. Inglaterra e País de Gales votaram pela saída. Irlanda do Norte e Escócia votaram pela permanência do Reino Unido na União Europeia. Agora, três anos depois, com as sondagens a apontarem para a subida dos liberais-democratas e para um aumento do recenseamento de eleitores até aos 34 anos, é caso para ver se, perante eleições antecipadas ou um segundo referendo os under-50s iriam mesmo todos em massa votar. E se, como achava Clegg em 2008, iriam votar para que os britânicos continuassem a ser parte do clube europeu e cidadãos de pleno direito da UE.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt