O brexit irá reconfigurar a economia do Reino Unido
David Cameron, o primeiro-ministro, fez uma grande aposta e perdeu. A tática do medo usada por Boris Johnson, Michael Gove, Nigel Farage, The Sun e Daily Mail ganhou. O Reino Unido, a Europa, o Ocidente e o mundo estão, esta manhã, feridos. O Reino Unido está diminuído e, muito possivelmente, acabará dividido. A Europa perdeu a sua segunda maior potência e a mais voltada para o exterior.
O elemento de ligação entre a UE e as potências de língua inglesa foi quebrado. Este é muito provavelmente o acontecimento mais significativo na história britânica desde a Segunda Guerra Mundial. Pode marcar um momento importante na retirada do Ocidente da globalização. É, acima de tudo, uma vitória dos dececionados e receosos sobre aqueles confiantes na capacidade do Reino Unido para se adaptar às mudanças e liderar na Europa.
A geografia do resultado revela que isto foi também uma revolta das províncias contra uma Londres próspera e globalizada. É também uma revolta contra as instituições - políticas, económicas e comerciais. Enquanto isso, aqueles que se consideram perdedores e aqueles que se ressentem com as mudanças no seu país, nomeadamente a imigração em massa, ganharam. Eles derrubaram as estruturas construídas pelas instituições durante mais de meio século. O Partido Trabalhista, para mencionar uma baixa importante, deve ter perdido uma grande parte do seu apoio.
No entanto, o Reino Unido pode não ser o último país a sofrer um tal terremoto. Movimentos semelhantes dos enfurecidos existem noutros lugares, nomeadamente nos EUA, com a ascensão de Donald Trump, em França, com a ascensão de Marine Le Pen, e até mesmo na Alemanha, com a ascensão da Alternativa para a Alemanha. Outros podem seguir-se. Mas, num ato de terrível automutilação, o Reino Unido tomou a dianteira.
Uma das grandes ironias é ter sido o governo trabalhista de Tony Blair, com a sua decisão de abrir imediatamente o Reino Unido para a migração dos novos membros da UE, quem abriu o caminho para um resultado que o vai horrorizar e aos seus colegas de outrora. É agora claro que o facto de não terem sido instituídas salvaguardas para a migração ao abrir a UE a membros novos e muito mais pobres foi um erro. Mas isso é história antiga. O seu impacto não pode ser revertido.
Outra ironia é que pessoas como o Sr. Johnson e o Sr. Gove, os poderes emergentes nesta terra, têm agora de contar com os especialistas cujos conselhos desprezavam.
O Reino Unido está agora no início de um longo período de incerteza que, com probabilidades esmagadoras, prenuncia um futuro pior. Os conservadores vão acabar com uma nova liderança. Se vão conseguir produzir qualquer coisa que possa funcionar como governo é outra questão. Terão agora de fazer o que os adeptos do brexit falharam tão flagrantemente durante a sua campanha mentirosa, ou seja, traçar uma estratégia e táticas para desfazer as ligações do Reino Unido com a UE. Isso, provavelmente, irá consumir as energias desse governo e dos que lhe sucederem ao longo de muitos anos. Envolverá também a tomada de algumas grandes decisões. Mas um ponto parece evidente: o Reino Unido vai instituir controlos sobre a imigração vinda da UE. Isso exclui a adesão ao mercado único. Na melhor das hipóteses, o Reino Unido poderá participar numa área de livre comércio de mercadorias.
Entretanto, os restantes países da UE, já sobrecarregados com tantas dificuldades, terão de trabalhar nas suas próprias posições de negociação. Eu espero que elas sejam duras. Porque haveriam eles de tratar generosamente um país que lhes deu um tal pontapé na cara? Sim, a Alemanha tem um excedente comercial com o Reino Unido. Mas vai continuar a vender produtos de alta qualidade que o Reino Unido não produz facilmente. É vital para os interesses do Reino Unido que este tente tornar o processo o mais fácil possível para os seus, em breve, ex-parceiros. Eles serão sempre os seus vizinhos.
A libra já caiu a pique. Se for amparada, o que é provável, isso poderá amortecer o efeito sobre o produto. Se a queda da libra originar um salto a curto prazo na inflação, que assim seja. Mas os avisos orçamentais de George Osborne não eram inteiramente tolos. As províncias terão de aprender, possivelmente muito em breve, o que a provável perda de dinamismo económico irá significar para as receitas fiscais das quais elas dependem. Um Orçamento de emergência é desnecessário. Mas é provável que a posição orçamental subjacente se deteriore porque a economia será mais pequena. Isto irá exigir, em algum momento, uma resposta orçamental, se não imediatamente. Claro, isto pressupõe que a perda de confiança no Reino Unido não seja tão grave a ponto de destruir a confiança na sua capacidade de se gerir a si próprio. Isso não pode ser descartado. A economia do Reino Unido vai ser reconfigurada. As empresas que se instalaram no Reino Unido para servir todo o mercado da UE a partir de dentro devem reconsiderar a sua posição. O papel da City na negociação de ativos denominados em euros será certamente reduzido. Mas também os industriais terão de analisar como reajustar a sua estrutura de produção. Muitos acabarão por querer mudar. As empresas que dependem da sua capacidade de empregar nacionais europeus devem também remodelar as suas operações. Muitas, certamente, vão querer mudar-se para dentro do mercado único da UE. Tais decisões não terão de ser tomadas de imediato. Mas elas irão afetar negativamente o investimento neste momento. Na vida económica, o futuro é sempre, em certa medida, hoje.
A curto prazo, no entanto, será difícil para as empresas tomar tais decisões de forma sensata. Elas simplesmente não podem saber como irão resultar as decisões complexas que forem tomadas. Esta incerteza foi sempre o resultado mais óbvio de uma votação pela saída. Agora é essa a realidade. Só o tempo dissipará essa neblina. Mas a visão de que, para lá deste período, o Reino Unido vai acabar mais pobre do que teria sido de outra forma continua extremamente provável. O Reino Unido prosperou durante o seu período dentro da UE. É improvável que o seu desempenho económico seja igualmente bom fora dela.
No entanto, a economia é apenas uma parte do que importa. A decisão do Reino Unido de aderir à UE foi tomada por boas razões. A sua decisão de sair não o foi. É provável que seja bem recebida por Marine Le Pen, Donald Trump e Vladimir Putin. É a decisão do Reino Unido de virar as costas ao grande esforço europeu de cicatrizar as suas divisões. Esta é, para mim, uma das horas mais tristes.
Economista chefe do Financial Times
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