"O Brasil tem tudo o que o mundo precisa"
Em 16 de dezembro de 1815, faz agora 200 anos, o Brasil deixou de ser uma colónia e passou a reino em igualdade com Portugal. É algo único na história da Europa e das Américas. Para os brasileiros é uma data com quase tanta importância como o grito do Ipiranga?
A viagem da família real já em si representa o início de um processo de emancipação do Brasil. Até então o Brasil permanecia na condição de colónia embora já houvesse desde o século anterior uma série de movimentos pró-independência. A transferência da família real para o Brasil em 1808 deu-se no marco de uma crise europeia, provocada pelas guerras napoleónicas. Foi a forma que na altura o príncipe regente D. João encontrou para evitar que a família real portuguesa fosse apreendida como a espanhola, mas ao se transferir para o Brasil ele cria um facto político que consideramos como o início da emancipação. Processo que vai se dar numa situação não tão violenta como nas colónias espanholas. Foi D. Pedro I, IV de Portugal, que decidiu em 1822 declarar a independência.
Mas fala de 1808 e de 1822. E 1815?
Essa data também foi uma solução encontrada no panorama europeu, pois era preciso explicar porque o rei não estava em Portugal. Ora, no marco do Congresso de Viena, surge a ideia, atribuída a Talleyrand, de se elevar o Brasil à condição de reino unido, de modo a que não importasse onde o rei estivesse, pois estaria sempre na sede do seu reinado.
Nesse momento, o Brasil deixa formalmente de ser uma colónia?
Sim, o Brasil deixa de ser uma colónia, embora não tivesse sido colocado assim. Tanto isto é verdade que logo a seguir à estabilização da Europa as Cortes portuguesas exigem o retorno da família real e a volta do Brasil à condição de colónia.
Essa sequência de acontecimentos que culminam com D. Pedro a proclamar-se imperador foi decisiva para o Brasil se manter unido, evitando imitar a fragmentação da América espanhola?
Sem dúvida. Todo esse processo foi essencial para que o Brasil obtivesse alguns benefícios que mais tarde vão ser muito valorizados. Temos um território unificado, coeso, e isso se deve à existência de uma monarquia durante um determinado período, em que houve tentativas separatistas em várias províncias.
Está a falar das revoltas no Nordeste e depois no Rio Grande do Sul?
E também no Pará. Houve movimentos que, embora com motivações várias, eram separatistas. Mas além do território, se deve também à monarquia termos uma única língua. E temos ainda o facto de rezarmos pelo mesmo deus. E um património que hoje no mundo é muito valorizado, o sermos um país com unidade territorial, que tem a mesma língua - não há dialetos no Brasil, fala-se português, mal ou bem, em todo o lado - e que apesar dos 200 milhões de habitantes todos rezam basicamente ao mesmo deus.
Então sem D. Pedro poderia hoje haver vários pequenos brasis?
É muito difícil reconstituirmos o passado com base no "se", mas é bem possível que nós tivéssemos tido problemas bem mais sérios para manter a unidade territorial sem a força coercitiva de uma monarquia.
Portanto, quando chega a república em 1889 o Brasil está já sólido na sua integridade territorial?
A república também foi aceite pacificamente. Porque é evidente que o Brasil não podia continuar a ser uma monarquia. Foi pelo tempo que deveria ter sido, mas é difícil conceber um país americano em que houvesse uma monarquia, pois era uma forma de governo europeia.
É mais positiva a imagem de D. João VI no Brasil do que em Portugal?
Muito mais. Se bem que tenho a impressão de que hoje também em Portugal há um certo revisionismo, no sentido de colocar D. João VI no devido lugar. Há um carinho imenso pela figura de D. João no Brasil e reconhecemos o papel que teve, não só no processo de emancipação, como por tudo o que trouxe ao país.
Desde logo a universidade...
Sim, a primeira universidade, mas também as missões científicas que trouxe, de modo que a presença dele anuncia esse processo de emancipação. E uso a palavra emancipação porque a independência é um ato político, mas a emancipação é um processo gradual que inclui esses benefícios que mudaram o Brasil.
O Brasil tem sido uma promessa de grande potência. Hoje é a sétima economia mundial. Mas agora há uma crise política e económica. Acha que é só um interregno na caminhada brasileira?
O Brasil é um país que tem uma capacidade de recuperação muito forte e muito rápida. Nós vimos isso ao longo da história. Estamos passando por um momento de alguma dificuldade, provocado em parte pelas crises internacionais. A Europa ainda não recuperou, os Estados Unidos estão apenas saindo da crise, a China teve de reduzir o seu crescimento. Todos os grandes parceiros ainda estão numa situação complicada, portanto o Brasil sozinho não pode crescer, de tal maneira a sua economia está vinculada às grandes economias mundiais. O que aconteceu, por medidas que foram tomadas nos últimos anos, foi que nós conseguimos fazer que a crise não chegasse imediatamente ao Brasil. Mas chegou um momento em que o impacto foi violento. Infelizmente com redução das perspetivas de crescimento, que estão neste ano aí por menos 3,2% ou 3,3 do PIB.
Se tivesse de enumerar os trunfos para concretizar essa ideia de grande potência, quais seriam?
Primeiro o tamanho do Brasil, que é continental. Segundo, é um país que tem todas as riquezas de que o mundo necessita: petróleo, carvão, urânio. Se olharmos a parte mineral, temos tudo, minério de ferro. Se olharmos a parte agrícola, não falta alimento no país, a agricultura é importante, a pecuária - o maior gado comercial no mundo está no Brasil. Se formos olhar dessa perspetiva, o Brasil tem tudo o que o mundo precisa. Então isso faz que a recuperação económica possa ser muito rápida. A prova é que os investimentos externos não pararam de chegar. O que mostra que o investidor não está olhando apenas no curto prazo e continua apostando no país.
Então o país tem melhor imagem do que a sua classe política?
Isso já é uma outra conversa, em que prefiro não entrar.
Mas concorda que o Brasil é falado de uma forma mais negativa do que no passado recente? Acha que isso não está a afetar as perspetivas de desenvolvimento do país?
Hoje, se olharmos os números macroeconómicos, você vê que o Brasil está passando por um problema conjuntural, não mais estrutural.
Acredita que em 2022, e certamente haverá grandes celebrações do bicentenário, o Brasil estará de novo a mostrar toda a pujança?
Acredito que chegaremos lá com uma outra situação. Haverá uma bela festa no bicentenário. E faremos isso junto com Portugal.