"O Brasil deve equilibrar o soft com o hard power"
Como resumiria a política externa do Brasil nestes 200 anos passados?
No primeiro século, sob liderança de Alexandre de Gusmão, patrono da diplomacia, quis consolidar-se através do reconhecimento das grandes potências, como o Reino Unido, e da definição das suas fronteiras. No segundo século, com as fronteiras consolidadas, graças à atuação do Barão do Rio Branco, pôde fazer então uma diplomacia virada para o desenvolvimento já sob Joaquim Nabuco, que se virou mais para Washington do que para Londres, dada a queda de influência da Europa. Essa diplomacia de desenvolvimento atravessou varguismo, industrialização, intervalo democrático, ditadura militar e, agora, redemocratização. No século XXI, pensou-se que o foco passasse para Pequim mas a virada foi constrangida pelo nacionalismo-cristão e defesa dos interesses do agronegócio de Bolsonaro.
Qual papel pode encaixar melhor nos próximos 200?
O papel do Brasil é duplo: ou se agarra a uma suposta identidade ocidental, que, à parte a herança lusitana, não existe, num país formado por influências indígenas e africanas, e que nos deixaria à margem, como uma espécie de extremo-ocidente, ou se agarra à China, que se sente uma civilização mais antiga e superior. Mas é positivo haver margem de manobra entre Washington e Pequim.
A imagem de pária internacional, no bolsonarismo, demorará a apagar?
Pode ser apagada se o Brasil recuperar a agenda ambiental, reafirmando a soberania da Amazónia mas com a contrapartida de garantir a sua sustentabilidade, e se for menos vulnerável à agenda conservadora.
O Brasil pode voltar a exercer soft power?
O Brasil só recupera soft power global se recuperar a diplomacia que começou a fazer desde, sobretudo, os anos 90 de país multilateral e potência ambiental. Isto, embora o sistema internacional estimule os países a serem cada vez mais afeitos ao hard power, como a Índia, porque talvez não haja soft power sem um mínimo de hard power.
E ser um líder do chamado Sul Global?
Como alternativa ao poder euro-atlântico, já consolidado na NATO, e ao bloco euro-asiático, com Rússia e China, vão sobrar potências regionais, como Índia, África do Sul, Turquia e o Brasil, com capacidade, sim, de ser um líder do Sul Global. É uma oportunidade, se equilibrar os tais soft e hard power, numa espécie de novo movimento não-alinhado.
Entrar no Conselho de Segurança (CS) da ONU é um grande objetivo?
O Brasil tem condições de entrar no segundo pelotão de potências, onde estão Índia ou Turquia, e nenhuma delas, que eu saiba, tem como prioridade o CS. A reivindicação não saiu da agenda, nem mesmo com Bolsonaro, mas não será a presença lá que dará mais poder.
A relação com Portugal tenderá a ser de afastamento, à medida que nos distanciamos de 1822?
Apesar de o Brasil ser uma invenção portuguesa, acredito que o fosso aumentará, pelo afastamento das raízes católicas no Brasil, por Portugal ser um mercado económico pequeno, por as novas gerações portuguesas se identificarem mais com a Europa, por haver estranhamentos em virtude de xenofobia. Um problema análogo ao que se passa nos EUA onde nalguns lugares as pessoas nem se lembram que foram colonizadas pelo Reino Unido.