Depois de ter participado no Boom sem usar máquina fotográfica em 2002 e 2004, ainda no Alentejo, Valter Vinagre passou a captar imagens, já em Idanha-a-Nova. Fê-lo para diversos órgãos de comunicação social de Portugal e de Espanha, mas fê-lo sobretudo para ele próprio: "A intenção era olhar para o espaço, para as pessoas, e tentar perceber o que me levava a fotografar lá dentro.".Ele sabia que aquele era um festival que não tinha na base nenhuma marca, como os que entretanto proliferaram. Tinha terminado um longo trabalho sobre a religiosidade nas festas pagãs e pensou que o Boom era "uma sequência lógica". "Não sendo crente nem consumidor daquela igreja, não sendo propriamente do meio, tudo me era estranho. Quando o festival foi para Idanha-a-Nova, uma terra que conheço bem, onde tenho residência e sou votante, fui ver se continuava a interessar-me. E continuava.".Crente? "É uma metáfora. Continuo sem perceber muito do que se passa ali a nível musical. Eles começam com o goa trance, música eletrónica muito centrada no psicadélico, nascida com os últimos hippies de Goa. Houve entretanto uma evolução a nível musical e também ao nível do conceito. Hoje pode dizer-se que o Boom não é um festival musical, é um festival de culturas que tem preocupações múltiplas, políticas, ligadas às questões da ecologia e dos modos de viver, dos sistemas alternativos, mantendo um foco muito grande no psicadélico. É desse ponto de vista que digo que não sou crente. Eu não sou crente em nada, sou desprovido da capacidade de ter fé.".Ao fim de várias edições - ainda neste ano Valter Vinagre voltou ao terreno, já com o livro pronto e novamente sem máquina fotográfica (cedeu-a ao filho e só lha pediu para fazer uma imagem) - sabe que quem vai para o Boom "acredita em algo alternativo, através da música ou não" e quer permanecer "fora da rotina". Assinala até que a maioria dos que lá vão tem uma rotina, ao contrário do que se pensa". Explica: "Estão ali desprovidos de preconceitos e pré-conceitos. Há uma grande liberdade individual e coletiva e uma consciência muito grande. Quando falo da questão da religiosidade tem muito que ver com isto. O que fiz nestes anos todos foi perguntar: por que fotografo neste espaço?".Quanto à pergunta mais ampla - o que o leva a fotografar? -, Valter Vinagre responde: "A fotografia foi a maneira que encontrei de dizer o que não conseguia quando escrevia ou noutro tipo de artes - serigrafia, teatro, canto, um cineclube para chegar ao cinema. Havia um momento em que as coisas se esgotavam, tornavam-se demasiado fechadas em si mesmas. Qual é a ferramenta que vou usar para continuar a dizer algo que valha a pena na sociedade onde estamos? A fotografia, claro.".E ficou nesse território: "Não me vejo sem fotografar, e sobretudo sem fotografar neste país.".Sob o Signo da Lua contem 104 fotografias, escolhidas entre mais de 1600 imagens acumuladas por Valter Vinagre, 64 anos, nascido em Avelãs de Cima, Anadia. A primeira seleção abarcava mais de 400 e o resultado final foi alvo de sucessivas seleções, debates, num ir e vir de sugestões entre autor e editor - André Tavares, da Dafne, uma editora dedicada à arquitetura..Neste caso, não é de arquitetura que se fala, embora a ideia de construção, de construções, tenha estado sempre presente. Um dos textos que dão sentido à sequência de imagens é do arquiteto Joaquim Moreno. "O festival relaciona-se com a arquitetura, quer na construção das estruturas quer no que movimenta em torno disso", segundo Valter Vinagre. Este é um texto que, segundo o fotógrafo, "situa o livro dentro do livro", ao explicar a estrutura inspirada na obra renascentista Hypnerotomachia Poliphili, datada de 1499 - um raro incunábulo considerado fundamental na história do design gráfico..Neste que é o livro "vigésimo e tal", conta ainda com um texto do ensaísta António Guerreiro "pelo lado filosófico, pelo que ele representa e pensa, pelo enorme respeito que tenho por ele, pela maneira como coloca as questões, pela maneira como ele se aproxima do lado mais íntimo da sociedade, quase religioso". Porque, afinal, "se pensarmos as coisas por dentro chegamos a interrogações sobre a sociedade, sobre a nossa maneira de ser e de estar. O texto de Guerreiro "parte das imagens para entrar no universo do festival"..Valter Vinagre estudou em Avelãs de Cima e veio a oferecer-se como voluntário para a Marinha de Guerra, tendo vivido aí o período da descolonização. Fez o ensino secundário à noite e inscreveu-se num curso de Sociologia, mas diz que não o levou a sério. Cruzou-se com Agostinho da Silva - que teve nele grande influência - e ao longo da vida foi fazendo formação nas áreas que o interessavam. Assim, fez fotografia na Ar.Co em 1986-89. Fixou-se durante 30 anos nas Caldas da Rainha e começou a trabalhar na câmara local como varredor de ruas, tendo passado para o setor do turismo e depois para a cultura, onde coordenou todas as atividades, até que se reformou. Agora vive entre Idanha-a-Nova e Lisboa. "Pairo por todo o lado."