O bom mirandês partiu, mas deixou a vida inteira contada
Assim que terminou de escrever a biografia sobre Amadeu Ferreira, Teresa Martins Marques enviou-lha de imediato, sem corrigir as gralhas. Durante o ano que durou o processo de recolha de testemunhos e de escrita foi constante a corrida contra o tempo. "Ele já não conseguiu ler a obra, mas ouviu os filhos lerem-lha de uma ponta à outra. No final, disse que eu lhe tinha entendido a alma", conta ao DN a biógrafa daquele que era vice-presidente da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) e professor na Faculdade de Direito na Universidade Nova de Lisboa, mas que no panorama cultural português se afirmou como um dos principais autores e divulgadores da língua mirandesa.
Amadeu Ferreira faleceu no domingo, aos 64 anos, devido a um tumor cerebral, doença que descobriu após escrever Ars Vivendi Ars Moriendi, em que dissertava sobre a metamorfose entre a vida e a morte. "Hei de poner ua oulibeira ne l huorto de casa i pedir-le al mundo que nun le faga mal...", escreveu nessa obra. Hoje, pelas 18.00, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa é apresentada a sua biografia, O Fio das Lembranças, e Belheç /Velhice, o seu último romance bilingue, que escreveu com o pseudónimo de Fracisco Niebro, com o qual assinou, entre outros, Tempo de Fogo/La Bouba de La Tenerie, primeiro livro publicado nas duas línguas oficiais de Portugal.
"O seu desaparecimento deixará um vazio enorme, embora muitos dos escritores mirandeses tenham sido impulsionados por ele, que os encaminhou para algumas editoras", recorda Teresa Martins Marques, investigadora da Universidade de Lisboa, que para esta biografia de 800 páginas recolheu 103 depoimentos e realizou 31 horas de entrevistas filmadas com Amadeu Ferreira num documentário de Leonel Brito.