"O Barca Velha está na vinha. O enólogo só tem de não estragar"
"Sem boas uvas não se faz bom vinho e 90% do Barca Velha está na vinha. O nosso trabalho na adega é não estragar o que a natureza nos dá." Fala um enólogo que diz "passar mais tempo na vinha do que na adega". Luís Sottomayor, 53 anos, é o responsável pela enologia da Casa Ferreirinha, mais uma vez distinguida, agora com a pontuação de cem pontos atribuída ao Barca Velha 2008 pela revista norte-americana Wine Enthusiast. É a primeira vez que um vinho português não fortificado - já houve vinhos do Porto - recebe a pontuação máxima.
Foi na sala de enologia da Casa Ferreirinha, com vista para o Rio Douro, em Gaia, que Luís Sottomayor falou com o DN. "As decisões são tomadas nesta sala de provas que foi montada ainda por Fernando Nicolau de Almeida", o primeiro enólogo do Barca Velha e o homem que criou o conceito. "Diariamente, entre as 11.00 e as 13.00, fazemos a prova de cem vinhos. É a hora em que os sentidos estão mais sensíveis aos aromas."
No total são cinco enólogos que trabalham todos os vinhos que a marca da Sogrape produz. Com a classificação agora atribuída ao mais recente Barca Velha, lançado no ano passado, a equipa ficou orgulhosa. Trata-se de uma das revistas mais respeitadas de mercado. "É sempre importante. Quando fazemos um vinho não pensamos que vamos ganhar os cem pontos da Wine Enthusiast. Fazemos a pensar no consumidor, no prazer que o vinho irá permitir", diz Luís Sottomayor, consciente de que a distinção "ajuda a vender e a reconhecer a qualidade dos vinhos portugueses. É bom para a Ferreirinha, para o Douro e para Portugal".
O enólogo chegou à Casa Ferreirinha em 1989 e trabalhou com o Fernando Nicolau de Almeida e José Maria Soares Franco, os dois anteriores enólogos que produziram Barca Velha, agora com 19 colheitas. Eram 18, com a primeira a ser em 1952, mas as pesquisas recentes permitiram concluir que houve uma edição em 1955, que nunca foi comercializado. "Há mistérios ainda por decifrar. Sabemos que existiu, que houve garrafas deste vinho." Dos anos 1950, quando tudo começou, "há poucas garrafas e dos anos 1960 também. Só a partir de 1970 e 1980 é que se passou a guardar em maior quantidade".
Luís Sottomayor é o responsável pelo Barca Velha desde 2007 e esta foi a terceira vez que decidiu que a colheita era de tal forma excecional que merecia ser um Barca Velha. É o melhor? "É sempre difícil dizer que é o melhor. Ser Barca Velha já é uma garantia de qualidade, possui obrigatoriamente o carácter extraordinário de grande qualidade que o distingue. Houve anteriores de grande qualidade, em especial nos anos 1980." Este de 2008, com 18 mil garrafas produzidas, "é extraordinário, de uma harmonia e complexidade fora do comum."
A maioria das garrafas fica em Portugal. Muitas seguem para todo o mundo: EUA, Reino Unido, Austrália, Angola, Brasil, entre outros.
A decisão final de levar ao mercado um Barca Velha "é do enólogo responsável, ou melhor da equipa - a regra em geral é unanimidade de opinião, como foi o caso. Só a qualidade é que dita se é Barca Velha". Se não for, pode vir a ser um Reserva Especial ou um Quinta da Leda, um novo vinho com o nome da propriedade, em Almendra, Vila Nova Foz Coa, onde hoje os principais vinhos da Casa Ferreira nascem. "É o berço", com 160 hectares de vinha e um centro de vinificação. O campo de maior descoberta está nos vinhos DOC. "O vinho do Douro ainda tem irreverência e caminhos novos. No caso dos vinhos do porto já é mais difícil diversificar."
Uma história e uma alma
Sendo o expoente, o Barca Velha permite a uma marca portuguesa chegar longe. São mais de 60 anos, com qualidade reconhecida e características iguais. "Ter uma história e uma alma é fundamental para um bom vinho. É o que procuramos fazer. Senão, um vinho pode ter o seu momento de glória, mas logo vem o ocaso", diz o enólogo premiado em 2012 como melhor do ano.
Como hoje "há muitas boas regiões de vinho no mundo", a concorrência é forte e Luís Sottomayor não tem dúvidas de que o "Douro é a grande região dos vinhos portugueses". Com o exemplo da sua casa, aponta haver o Barca Velha, o Esteva, "um vinho de qualidade que se pode beber todos os dias", e outros bons vinhos como o Planalto. E, mais famosos, os portos Vintage ou Tawny de 20 ou 30 anos. "Só numa região extraordinária e muito rica é que isso é possível."
E custando perto de 400 euros, um Barca Velha não é caro na sua gama de mercado. Nem os outros vinhos nacionais o são. "Falava com um colega que está na Rússia e dava o exemplo dos russos - podem comprar vinhos da mesma qualidade dos franceses, mas mais baratos. Paga-se mais 200 euros pela mesma qualidade. Mesmo em França, triplicamos as vendas. Descobriram a nossa qualidade", adianta Luís Sottomayor, sem deixar de avisar que não se pode exagerar: "É preciso bom senso de não ver uma galinha dos ovos de ouro."
Como "os vinhos estão na moda" e o turismo "é impressionante", o Douro tem futuro risonho. "Passa por apostar no caminho da qualidade e não no grande volume. É a nossa força. Temos castas únicas. São só nossas e têm uma enorme variedade, o que permite fazer vinhos diferentes e bons."