O assédio que vive na sombra

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O assédio configura uma prática que explora fragilidades, é estrutural, dilatada no tempo, infelizmente convive bem no quotidiano, passa despercebida e é obliterada pelo poder concentrado daqueles que se creem Deus omnipresente, cumulando a discriminação no seu leque de atuação. Versa a violência moral, podendo igualmente ser física, não obstante assenta em contactos verbais ou físicos com caráter sexual voluntário, criando-se ambientes hostis, tóxicos, discriminatórios, afetando psicologicamente a vítima, bem como pode ainda ser lido numa ótica de troca de favores sexuais não solicitados por vantagens inúmeras.

Este comportamento é inaceitável num Estado de Direito democrático, lesando de forma extremamente inflamada, direitos de personalidade inscritos na nossa constituição que não são "só para inglês ver", tais como, a dignidade da pessoa humana (art.º 1), o principio da igualdade (art.º 13) e da dignidade social, integridade moral e física (art.º 25,n1), livre desenvolvimento da personalidade, bom nome, reputação, imagem, reserva da vida íntima e proteção contra qualquer forma de discriminação (art.º 26 n1). Por conseguinte, os direitos de personalidades localizam-se igualmente nos artigos 70 e seguintes do nosso código civil, não obstante, a importunação sexual e a perseguição fazem parte do nosso quadro penal, à luz dos artigos 170 e 154-A ambos do CP.

A tipificação encontra-se aos olhos do mundo, mas nem todos têm as lentes corretas para interpretar. O Homem médio, por vezes não tem conhecimento dos direitos que lhe assistem, de como os reivindicar, sem recorrer a um advogado com honorários do peso de um elefante. No meio escolar, em especial no contexto universitário, quem não esteja numa licenciatura em direito, provavelmente não saberá tecer um caminho pouco dispendioso, em linha reta que culmine na resolução célere da sua adversidade com repercussões jurídicas. Por este motivo, considero capital que todos os estudantes tivessem sessões formativas, workshops, tertúlias, conferências intergeracionais, proporcionadas pelas universidades sobre os direitos que possuem, como materializá-los, sob pena de continuarmos numa senda de ignorância face à lei e a mecanismos de defesas de jure condendo à disposição de todos, uma vez que o Direito serve o povo e toda a sua harmonização em sociedade, sendo que a ambiguidade não pode vencer!

É dorsal a criação de um observatório que investigasse este tipo de crimes em todas as universidades, sejam públicas ou privadas, uma vez que esta práxis não é exclusiva e solteira, visto partir do Ser humano, não das Casas do Ensino. Devem criar-se relatórios imparciais, independentes do toque subtil de quem pode influenciar não só a condução, como a decisão final, resultando no final em receitas, fórmulas que descartem do mapa quem se furte das suas responsabilidades por exemplo, pedagógicas. Deve ainda aceitar denúncias por via digital, telefónica ou presencial, encaminhando-as e protegendo quem as faz, blindando a identidade da vítima, a confidencialidade, por forma que os estudantes ganhem confiança nas instituições, devolvendo-lhes a esperança dissipada no tempo e no espaço face à quebra de expectativas. O estudante deve ainda poder acompanhar todo o seu processo, em todo o período do mesmo, início, meio e fim, sempre escudado pelo anonimato caso seja essa a sua vontade, de forma a que se evitem represálias e retração neste tipo de situações, sob pena da justiça continuar uma miragem no deserto do Saara.

Por outro lado, o apoio psicológico gratuito é medular para reforçar e consolidar a imunidade das vítimas, devendo todas as instituições de ensino providenciar este veículo adágio das preces, ouvindo-as, apoiando-as com toda a sapiência e guiando-lhes o caminho, por forma que haja uma superação plena, rápida e eficaz. Deste modo, creio que mais vítimas divulgarão este e outros tipos de crimes, visto que sentindo-se protegidas, acolhidas, e bem direcionadas, o receio desvanecerá. Os autores materiais e/ou morais sentirão uma imensa pressão social e criminal, pensando mais nas consequências das suas ações previamente e não depois do mal ter sido propagado de forma mais ou menos dissimulada. O reforço do policiamento nas universidades é igualmente importante, como ferramenta de dissuasão, uma vez que o potencial agressor provavelmente não atuará face às consequências que poderá ter imediatamente, resultante da sua conduta. Será necessário a colocação de câmaras nas salas de aula e em vários espaços interiores e exteriores estratégicos das instituições de ensino superior?

Seria um passo importante no contexto universitário para a exposição, constituição de meios probatórios e apuração dos factos que levam à atividade criminal branqueada pelo poder monopolista? Carecemos de políticas robustas de prevenção do assédio, de sensibilização dos nossos jovens, bem como da criação de uma comissão nas universidades com a vontade de arquitetar, definir e executar uma estratégia de prevenção do assédio transversal, formando-se grupos de trabalho multifacetados para o efeito, sem prejuízo de prever, inscrever e punir severamente esta prática nos códigos de conduta e nos regulamentos disciplinares. Bem como, a segurança digital nas plataformas deve repudiar e censurar este tipo de conteúdo discriminatório, um efetivo assédio digital que não pode ser olvidado.

Esta chaga deve ser combatida com vontade, com criatividade no alcance das soluções, sem esquemas de proteção dos agressores, e ao dispor dos estudantes, a fonte de qualquer instituição de ensino, o fruto do futuro da Nação, os homens e mulheres que amanhã farão do nosso país um Estado mais imaculado. O abuso de direito e do empowerment, não pode ser o engenho dos altivos e vorazes circunscrito ao new normal anormal, dessacralizando-se e desvirtuando-se a estrutura mestra da educação, de formação de cidadãos úteis à sua pátria.

Finalista na Licenciatura em Direito

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