O arqui-inimigo do Papa na primeira viagem da Bienal de São Paulo
Quando em 2004 León Ferrari apresentou a sua exposição no Centro Cultural Recoleta, um antigo convento na capital argentina, teve de enfrentar as acusações de blasfémia do então cardeal de Buenos Aires. Jorge Bergoglio, ainda longe de ser o Papa Francisco, pediu o encerramento da exposição do mais consagrado artista plástico argentino, por misturar belicismo com religião. Sem o querer, projetou-o ainda mais para a fama, a ponto de León ter agradecido ao seu arqui-inimigo pelo Leão de Ouro com que foi galardoado na Bienal de Veneza três anos mais tarde.
Da Bienal de São Paulo, uma das maiores do mundo (a par de Veneza), para Serralves o coletivo Etcétera, que trabalhou com León nos seus últimos anos da sua vida (morreu em 2013), baseia-se neste episódio para dar o mote à instalação Errar de Deus, em que desafia o visitante a assinar uma petição para pedir ao Papa para abolir o inferno.
"Em São Paulo, recolhemos quase 15 mil assinaturas... O objetivo é marcar audiência com o Papa Francisco para falar com ele sobre a abolição do inferno. Ou, pelo menos, em última instância, que na sua negociação com Deus consiga a redenção da alma de León (...) (Mas vai ser fácil chegar ao Papa?) Se ele se reuniu com Castro e Obama é natural que possa também ter uma audiência com os Erroristas (movimento de artistas no qual se enquadra o Etcétera)", anuncia ao DN Federico Zukerfeld, um dos membros deste coletivo que traz a Serralves uma condensação da obra de León Ferrari, inspirada no livro Palavras de Outros em que o artista junta artigos de jornal com trechos da Bíblia e idealiza as conversas de Deus com homens como Hitler, numa instalação onde se pode ouvir a voz do todo-poderoso ao telefone e ver colagens no jornal oficial do Vaticano L"Osservatore Romano.