O antigo treinador de hóquei que devolveu a glória ao rei das Taças

Aos 57 anos, Ariel Holan confirma-se como uma das melhores histórias recentes do futebol argentino e vence troféu com o Independiente, após empate no Maracanã
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Só entrou no futebol aos 43 anos, depois de um trabalho de sucesso no hóquei em campo, e a primeira experiência como técnico principal de futebol teve-a apenas há dois anos, em 2015, quando o modesto Defensa y Justicia arriscou entregar a equipa a este argentino devoto da tecnologia e de Steve Jobs que, ainda nos primórdios do século, não hesitou em trocar o carro por um computador para poder desenvolver um software de treino. Agora, aos 57 anos, Ariel Holan consagra-se como feliz protagonista de um desses contos de fadas que o futebol ainda contempla, ao vencer a Taça sul-americana com o Independiente, o seu clube de infância.

"Não consigo falar. Isto é para o meu pai, em primeiro lugar. É um sonho... não quero despertar." A reação emocionada do técnico, após o final do jogo no Maracanã - no qual o Independiente empatou 1-1 com o Flamengo e validou a vantagem de 2-1 conseguida na primeira mão da final -, fica como uma das imagens fortes desta conquista que devolveu o clube argentino aos dias de glória que lhe valeram a alcunha de rei das Taças, sobretudo devido às sete Libertadores que ganhou entre os anos 60 e 80 do século passado.

Holan teve de ultrapassar a desconfiança de colegas de profissão, jogadores e adeptos quando, há quase um ano, o Rojo de Avellaneda o chamou para colmatar a saída de Gabriel Milito e acudir a um clube considerado um dos maiores da Argentina, mas há muito mergulhado em grave crise - sem qualquer título nacional desde 2002 e com uma inédita descida à II Divisão pelo meio, em 2013.

Os drones a sobrevoar os treinos em Villa Dominico, os 12 colaboradores munidos de computadores, câmaras a registar todos os movimentos, sistemas de GPS e toda a parafernália tecnológica que o acompanha suscitavam a reserva (e até piadas) dos mais céticos nos primeiros treinos de um técnico olhado como um "estranho" e com grande parte da carreira feita no hóquei em campo feminino.

Mas além dessa obsessão tecnológica - desenvolvida desde o início do século e que o levou mesmo a vender um velho Renault 19, em 2001 (ainda nos tempos do hóquei), para investir num Macintosh com o qual desenvolveu um software de treino criado por um amigo -, Holan aportou com ele uma ideia de jogo cativante e um profundo conhecimento da história do Independiente, cujo velho estádio Doble Visera frequentou em miúdo com o pai.

Assim, entre as várias medidas que implementou para devolver a grandeza aos Diabos Vermelhos de Avellaneda, uma tocou especialmente o coração dos adeptos: a recuperação de um antigo ritual de saudação ao público, antes de cada partida, com os jogadores perfilados e o capitão um passo à frente, todos de braços ao alto e mãos abertas - tradição das equipas gloriosas de 60 e 70, com os jogadores da época a demonstrarem assim que tinham as "mãos limpas", sem corrupção.

Além deste ritual, Holan recuperou ainda para o dia-a-dia do clube figuras históricas como Ricardo Bochini, Daniel Bertoni ou Ricardo Pavoni, para conviverem com os jogadores mais novos e transmitirem-lhes a mística daquele que ainda é o recordista da Libertadores (sete títulos). Pelo caminho, não teve medo de enfrentar as ameaças dos Barras Bravas do Independiente, que chegaram a invadir-lhe o carro para lhe exigir financiamento para a claque.

Futuro incerto

Mas nada disso teria valido sem a transformação futebolística da equipa em campo. Fanático da laranja mecânica de Michels e Cruyff e da ideologia de Menotti, Holan, um crítico da "mercantilização" do futebol moderno, advoga um estilo de jogo ousado e ofensivo. E foi assim que foi conquistando os adeptos (14 jogos invicto logo no início), construindo uma equipa vibrante e recheada de jovens que promoveu. Como Ezequiel Barco, um criativo de 18 anos que assumiu a responsabilidade de bater o penálti do empate num Maracanã lotado por adeptos do Flamengo (está já de saída para o Atlanta United da MLS).

Ainda assim, nos dias que antecederam a final teve de voltar a afastar a desconfiança. "Amigos, eu não me levantei bêbado um dia e decidi que queria ser treinador de futebol. Já trabalho nisto há mais de dez anos", lembrou Holan, que trocou o hóquei pelo futebol aos 43 anos, começando a trabalhar como adjunto nas equipas técnicas de Burruchaga (o autor do 3-2 que valeu o Mundial à Argentina em 1986, na final com a Alemanha).

Agora já não é mais um treinador esquisito que veio do hóquei, mas sim o visionário que devolveu a glória ao rei das Taças, que há sete anos não ganhava um título internacional. O futuro, no entanto, é incerto. "Não sei se continuo. A minha família sofreu muito", disse, no final, o treinador do momento na Argentina.

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