"O anticomunismo ressurgiu com enorme virulência. Muita gente tirou a máscara"

Entrevista a Domingos Abrantes, conselheiro de Estado, comunista, ex-membro do Comité Central e da Comissão Política do PCP
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O Domingos Abrantes é um dos históricos do PCP (ver perfil) Quando pensa no seu passado, em tudo o que passou, em tudo o que foi privado, no sofrimento da sua mulher (Conceição Matos) quando foi torturada pela PIDE, conclui que valeu a pena e sente-se bem hoje em dia no seu país?

Se valeu a pena? Claro que sim. Alcançamos aquilo por que sempre lutamos. E não vejo que, sem a luta e a resistência, tivéssemos conquistado o que conseguimos. Sou um felizardo porque assisti ao coroar de um sonho de muitos comunistas que foi ver o derrube do regime fascista. A conquista da liberdade é inseparável da resistência. Quem tente apagar isto está a cometer um erro histórico. Esta luta não é por uma questão de realização pessoal. É não estar à espera que o fruto caia de maduro, é não ficar indiferente às desgraças deste povo e deste país. Quanto ao meu país, é evidente que gosto de Portugal, gosto de cá estar e penso que, por muitas que sejam as dificuldades, estamos sempre melhor aqui. Mas se me perguntar se era este o Portugal que tinha imaginado, digo-lhe que não. Quem viveu a revolução, com pessoas cheias de sonhos, com toda a esperança que se produziu, e vê agora tanta miséria, tanta violação de direitos dos trabalhadores, não pode deixar de lamentar que não foi para isto que se fez o 25 de abril.

Este acordo com o PS e a inversão de política que falou há pouco, pode ser considerada também uma pequena revolução?

Não. Muitas destas políticas são insuficientes para travar o declínio que estamos a viver, em relação ao qual, na sua história, o PS não tem poucas culpas. Ao longo destes 40 anos foi governando alternadamente com o PSD e o CDS e são os três responsáveis pelo estado a que chegou o país. O que há agora de novo foi ter-se aberto uma janela, ou se calhar uma frincha, de inverter um rumo que a direita tinha os projetos políticos perigosos, e optar por uma política para conter os perigos que pesam sobre a democracia portuguesa.

Que leitura fez das reações anticomunistas que sucederam perante o acordo com o PS?

O anticomunismo sempre esteve latente na nossa sociedade. Durante o fascismo era a arma fulcral. O PCP foi declarado oficialmente como inimigo único, logo em 1934. A seguir ao 25 de abril houve um momento, quando os fascistas foram "reciclados", de algum silêncio. Ao longo dos anos têm tido altos e baixos. Agora o anticomunismo ressurgiu com uma virulência enorme. Muita gente tirou a máscara. Mas para nós, o problema não é tanto em relação ao partido, pois sempre vivemos com isto. A maior preocupação é com o que isto pode significar em termos de ameaça à democracia. Fica subjacente a ideia de uma democracia condicionada. E com argumentos de clara natureza fascista. As forças democráticas deviam ter isto em consideração, tendo em o passado. Lembrem-se do poema de Bertold Brecht. Primeiro não é nada com eles, mas depois também os vêm "buscar"...O silêncio e o achar que isto é só contra os comunistas não é a melhor atitude.

Um colunista do DN, António Barreto, escreveu há semanas uma crónica muito crítica para os comunistas portugueses, dizendo que eram um sintoma do atraso do país, deixando implícito que para os combater tinha que ser pela força. Sente que é a opinião de muita gente?

A natureza por vezes é demasiado cruel para algumas pessoas quando chegam a certa idade. António Barreto é uma personagem pouco séria intelectualmente. Barreto já foi tudo na vida. Esquerdista, comunista, socialista, social-democrata. Ultrarrevolucionário quando estava longe da polícia política, na Suíça e contrarrevolucionário no Portugal de Abril. Ele faz parte de uma fauna que quando não sabe explica. Desliza a grande velocidade para posições fascizantes. Basta ver as suas posições sobre a revisão da Constituição e o que defende para a arquitetura do Estado. Nessa crónica expressa um argumento típico do fascismo, a defesa da violência contra os comunistas. Sofre da síndrome dos pigmeus. Acredita que bolsando lama sobre os grandes se torna gigante. É uma doença incurável. Precisávamos que o Eça ressuscitasse por algum tempo para se ocupar de certas abencerragens.

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