José Luandino Vieira recebeu a notícia em Vila Nova de Cerveira, onde vive há mais de dez anos numa espécie de retiro, num antigo convento, desligou o telefone e saiu sem dizer onde ia. Acabava de ser distinguido com o Prémio Camões, o mais importante das letras em língua portuguesa. .Há dez edições que o galardão, no valor de cem mil euros, não ia para um escritor africano. O último foi Pepetela, em 1997, e o primeiro coube ao angolano José Craveirinha (1991). O presidente do júri da edição deste ano, o brasileiro Ivan Junqueira, reconheceu que a geografia influenciou a decisão, mas afirmou que o principal critério foi o da qualidade literária e o carácter africano da obra de Luandino, onde destacou o trabalho de "reinvenção da língua". Agustina Bessa-Luís foi o único elemento do júri a votar contra. Ao contrário de Francisco Noa (Moçambique), Ivan Junqueira (Brasil), Paula Mourão (Portugal), José Eduardo Agualusa (Angola) e Evanildo Bechara (Brasil) a escritora portuguesa votou no cabo-verdiano Germano de Almeida. ."Os meus livros são o meu real"; "quando escrevo não sei o que se passa... não como, quase não durmo, não faço a barba. Tenho de terminar o livro no período máximo de dez dias, porque fisicamente não aguento mais"; "escrever é reorganizar o caos". Afirmações de Luandino numa entrevista ao DN, em 1992. Das mais íntimas que se conhecem a um homem que os amigos classificam de tímido e reservado. "É muito parco nas conversas. Criou à sua volta um mundo próprio e temos que o respeitar", sustenta mestre José Rodrigues, escultor e proprietário do Convento de S.Payo, onde vive o escritor. Mal soube do prémio, e sem conseguir contactar o premiado, Zeferino Coelho, editor da Caminho, foi até Cerveira. Em vão. Não o encontrou. "É o silêncio dele. Não gosta de agitação à volta", declarou ao DN..José Vieira Mateus da Graça nasceu a 4 de Maio de 1935, em Vila Nova de Ourém e aos três anos mudou-se para Angola com os pais. Em homenagem a Luanda, baptizou-se Luandino e fez-se cidadão angolano ao participar no movimento de libertação nacional. Em 1959 foi preso, acusado pela PIDE de ligações ao Movimento de Libertação de Angola (MPLA). "Tive uma participação muito activa no MPLA desde sempre e até 1978", diria mais tarde ao DN. Voltou à prisão em 1961, condenado a 14 anos e a alta segurança. Em 1964 foi transferido para o Tarrafal, de onde só saiu em 1972. Com escritores da guerrilha, fundou a União de Escritores Angolanos e aos novos escritores africanos deixou o conselho: "têm de conseguir elaborar, dar origem a uma forma de narrar, a uma efabulação que seja a mais adequada para os imaginários que tenham de transmitir". .Durante os anos de prisão escreveu oito livros. Diria que para passar o tempo. Verdade ou não, o certo é que fora da cadeia a escrita, onde assume a influência do brasileiro Guimarães Rosa, foi rareando. Entre as suas obras contam-se A Cidade e a Infância (contos); A Vida Verdadeira de Domingos Xavier (romance); Luuanda (estórias); Vidas Novas (contos); Velhas Estórias (estórias); No Antigamente, na Vida (estórias); Nós, os do Makulusu (romance); Macandumba (estórias); João Vêncio: os Seus Amores (romance); Laurentino, Dona Antónia de Sousa Neto & Eu (estórias); Nosso Musseque (romance). O próximo livro, o primeiro da trilogia De Rios Grandes e Guerrilheiros (a editar pela Caminho), põe fim a uma pausa de décadas. Será lançado a 11 de Novembro, em Luanda. Chama-se O Livro dos Rios. .Sobre o Prémio Camões 2006, Eduardo Lourenço (Camões, 1996) disse ser um "símbolo da rebelião"; Manuel Alegre destacou o seu papel na "renovação" da escrita; José Saramago (Camões, 1995) disse que se fez justiça. Ontem, sobre Luandino, apenas Luandino não disse o que pensava.*Com Leonor Figueiredo e Paulo Julião