"O Algarve não pode estar isolado do resto do país e ser só pensado ou falado no verão"

A falta de profissionais já levou este ano a encerrar as urgências de ginecologia obstetrícia e de pediatria, a presidente do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) diz ser o principal problema. O reforço de recursos para a época de verão será feito à custa de prestadores externos, mas todos os anos é assim. Ana Varge Gomes diz que o Algarve precisa de um plano para o ano inteiro e que uma das soluções pode ser um novo hospital. Este texto insere-se nas reportagens que o DN tem vindo a publicar sobre se prepara o Algarve para o verão, e que terminam amanhã.
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Em fevereiro, as urgências de ginecologia obstetrícia do Hospital de Faro, que integra o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), encerraram por não haver médicos suficientes para assegurar a escala. As grávidas tiveram de ser transferidas para o Hospital de Portimão que também faz parte do CHUA. O mesmo aconteceu dias mais tarde com a urgência de pediatria, que voltou esta fim de semana a ter problemas com a falta de médicos para garantir os cuidados.

A presidente do Conselho do Administração do CHUA, Ana Varge Gomes, explicou ao DN que na base destes problemas está o facto de "os médicos irem envelhecendo e muitos terem já ultrapassado a barreira dos 50 e dos 55 anos em que podem pedir dispensa para fazer urgência". Mas, no caso da pediatria, a médica relembra que "os médicos de família estão aptos a observar qualquer criança que esteja com sintomas normais de uma constipação, de dor de ouvidos, de garganta ou de cabeça. Não é preciso os pais irem a correr para a urgência hospitalar".

A falta de recursos humanos é um dos graves problemas da única unidade polivalente da região. Um problema que não é de agora, mas de há muito tempo. "Estes problemas têm sido resolvidos com os próprios médicos da casa que ainda podem fazer urgência, e que têm dado mais um pouco do tempo, com os que já não têm de fazer, mas que têm feito para garantir os serviços, e com prestadores de serviços", explica Ana Varge Gomes. Recorde-se que o governo lançou agora 17 novas vagas para médicos na região e que todos esperam que "não fiquem desertas, como já aconteceu com a dos médicos de família".

No caso do CHUA, "pelo menos, as duas vagas carenciadas para ginecologia obstetrícia vão ser ocupadas, mas quando as vagas ficam vazias não as posso transferir para outras especialidades, não faz sentido, porque não teria qualquer custo para o erário público", argumenta.

A falta de médicos, de enfermeiros ou até de outras classes não é só sentida no verão, embora, por vezes, haja mais constrangimentos. Por exemplo, "um fenómeno que temos agora tem a ver com os assistentes operacionais que cancelam contratos durante o verão ou não os renovam nesta altura para poderem trabalhar nos hotéis, que lhes pagam mais, mas regressam em outubro ou novembro porque sabem que são precisos".

Por isto, diz sem hesitar: "O Algarve não pode estar isolado do resto do país na Saúde nem ser só falado no verão". Até porque, continua, "a saúde é um dos pilares que faz com que o turismo cresça", destacando ainda: "Quando as pessoas visitam algum país o que querem saber é se é seguro e como são os cuidados de saúde.

E, deste ponto de vista, a Saúde deveria ser um cartão de visita do Algarve. Se estamos a apostar no turismo, porque é uma fonte de receita importante da região, a aposta na Saúde deveria estar a acompanhar esta pretensão. Um turismo com qualidade deveria ter também uma resposta de qualidade em Saúde", acrescentando: "É claro que os que vêm são muito bem-vindos, mas também temos de ter uma resposta para as pessoas que vivem cá. Não podemos viver dimensionados só para alguns meses do ano. Tem de ser para o ano inteiro".

Para os profissionais de saúde, a falta de recursos não é só uma preocupação, "é até assustador", afirma a dirigente nacional do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, Guadalupe Simões. "O Algarve é a região do país que apresenta o menor rácio de enfermeiros por mil habitantes. A situação está identificada há anos, mas não tem merecido por parte da ARS nem da administração do CHUA e, em última análise por parte da tutela a devida atenção tendo em conta as especificidades da própria região".

Guadalupe Simões dá ainda como exemplo o serviço de neurocirurgia do CHUA que, em pouco tempo, "perdeu seis enfermeiros e tem mantido a mesma atividade. A situação é intolerável e os colegas do serviço fizeram um documento a declinar responsabilidades na falta de segurança dos cuidados que estão a ser prestados".

Margarida Agostinho, dirigente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, FNAM, alerta também para a falta de médicos na região com a agravante de que no próximo ano pode ficar tudo muito pior. "Há muitos médicos em situação da reforma e isto não estamos a saber agora, sabemos há muito tempo, o que exige organização e planificação dos serviços", mas, considera, que "não tem havido vontade política para resolver a questão".

No que diz respeito ao CHUA, Ana Varge Gomes contrapõe que a sua administração tem vindo a cumprir o compromisso que aceitou no início do mandato, "melhorar o acesso". E explica: "Quando chegámos a este conselho, os doentes do Algarve com AVC, não tinham tratamento com angiografia o que implicava serem transferidos para Lisboa, muitas vezes de helicóptero, chegando lá já sem janela terapêutica para tratamento. Neste momento, é possível tratar estes doentes aqui. A via verde está a funcionar em pleno com os mesmos recursos que existem numa unidade de Lisboa ou de sítio. Temos mais oferta a nível de cirurgia vascular e em radiologia de intervenção, que não existia. Neste momento, também já é possível as grávidas fazerem ecografias obstétricas com tecnologia 3D. E temos vindo a melhorar equipamentos e espaços dentro do hospital, que é antigo e já sem espaço para crescer".

Para melhorar mais a oferta, Ana Varge Gomes considera que só com "um novo hospital". Mas este é um objetivo que também une o presidente da ARS do Algarve, Paulo Morgado, e os autarcas da região. "Um novo hospital central é uma ambição da região, sobretudo, porque seria muito bom para os algarvios, para os que nos visitam e para o país".

(Leia amanhã como se preparam as equipas da Saúde Pública)

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