O alerta de professores e sindicatos: sustentabilidade do Ensino Superior está em causa
"Estamos preocupados com o futuro e a sustentabilidade do Ensino Superior (ES)". A frase é de Mariana Gaio Alves, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), que aponta para "problemas estruturais na carreira". Do universo de cerca de 36 mil docentes e investigadores nas universidades e politécnicos em Portugal, apenas 23 % se encontram no topo (catedráticos e associados). Já o número de docentes a tempo parcial aumentou de 29%, no ano letivo 2012/2013, para 39%, em 2018-2019. Facto que leva, segundo a sindicalista, muitos professores a precisar de um segundo emprego e a um aumento cada vez mais significativo de contratos precários. Segundo vários professores contactados pelo DN, muitos acabam por "sair do sistema", pois encontram "melhores condições no setor privado". Alerta que já tinha sido feito por António de Sousa Pereira, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Em entrevista ao DN, há duas semanas, o responsável afirmava ser "cada vez mais difícil, perante a competição dos privados, reter recursos nas universidades". "Precisamos de condições atrativas para renovar o corpo técnico investigador e docente", sublinhou.
Para a sindicalista, o envelhecimento do corpo docente também reflete as dificuldades na carreira. "Nos últimos 10 anos, a idade média passou de 41 para 48 anos. Em 2001/2002 era de 41 anos, e em 2020/21, passou para 48 anos. Há ainda outros dados relevantes. Um deles tem a ver com os professores que têm mais de 60 anos. São 17% quando havia apenas 7% em 2012-2013. Com mais de 50 anos tínhamos 31% em 2012/13 e 47%, em 2018/19", explica Mariana Gaio Alves. A responsável salienta que, embora se trate do mesmo problema existente no Ensino Básico e Secundário, no caso do ES "é possível fazer a renovação geracional do corpo docente porque existem muitos doutorados que estão contratados a prazo para tarefas de investigação e a tempo parcial".
"O que quero sublinhar é que o que temos não é ausência de qualificação, mas problemas na integração na carreira", refere. Mariana Gaio Alves diz verificar-se um decréscimo de professores em regime de exclusividade. Ou seja, "ao mesmo tempo que os docentes estão cada vez mais envelhecidos, não estão a ser substituídos e não estão a ser integrados nas carreiras". "Muitos têm contratos que começam em outubro e terminam em junho, não cobrindo sequer o tempo da avaliação no final do ano", lamenta.
No universo de investigadores, o problema agrava-se. Cerca de 75% trabalha com contratos precários ou a recibo verde (sem qualquer vínculo). A presidente do SNESup relembra que, nos concursos de 2021, apenas foram abertas 24 vagas para posições de carreira, contrastando com as 616 para investigadores a prazo. Com o aumento do número de alunos a frequentar o Ensino Superior, a instabilidade dos docentes fica mais "visível", obrigando os professores de carreira a trabalhar mais horas e, muitas vezes, "para lá do limite legal".
Para os que já estão integrados nas carreiras, mais de metade (55%) não consegue avançar para lá da categoria inicial (professor adjunto). Muitos mantêm-se nesse escalão mais de 20 anos, segundo o SNESup. "Os que chegam ao topo são apenas 23%. O estatuto da carreira docente estabelece que deveriam estar 50 a 70% nestas categorias. A lei não é cumprida e não existem oportunidades de progressão", afirma Mariana Gaio Alves.
O Sindicato Nacional do Ensino Superior alerta para a existência de um elevado número de docentes a tempo parcial com salários de 600 euros mensais. Sem conseguir entrar para a carreira, recorrem a um segundo emprego para fazer face às despesas e muitos acabam por abandonar a docência. Sem números concretos sobre a migração de professores para outras funções no privado, Mariana Gaio Alves diz serem cada vez mais nos últimos anos. "Não é atrativo ser docente ou investigador e é uma situação de grande pressão. Há investigadores com 50 anos que estão a viver nesse registo precário há 20 ou 30 anos. Os mais jovens começam a perceber que a perspetiva de futuro não é agradável", justifica. A título de exemplo da falta de atratividade, explica que "os investigadores têm de angariar financiamento para os seus projetos de investigação e para o seu próprio salário".
Uma docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que não quis identificar-se por temer represálias, relata um clima de insegurança e cansaço generalizado perante a dificuldade em fazer-se carreira no Ensino Superior.
"As condições do Ensino Superior são estas, pelo menos na Universidade do Porto: corpo docente envelhecido, ausência de concursos para se subir de categoria (houve apenas dois concursos, nos últimos três anos, na FLUP, e foram os primeiros que abriram desde 2002. E deixaram de fora muitos candidatos, porque abriam só uma ou duas vagas), um reitor que insiste na avaliação anual dos docentes, quando em quase todas as outras ela é bianual ou trianual", refere a fonte. A docente afirma tratar-se de uma avaliação com inúmeros e exigentes parâmetros, que obrigam a "publicações nacionais e no estrangeiro; organização de eventos; orientação de teses (mestrado e doutoramento); participação em projetos de investigação financiados; exercício de cargos de gestão (que são sempre ocupados pelos mesmos e pelos seus amigos, impedindo a grande maioria de nós exercer); prémios ou distinções; extensão universitária (ação na sociedade, como lançamento de livros); arguição de teses de mestrado e de doutoramento, preferencialmente fora da FLUP; frequência de ações de formação; participação em projetos pedagógicos da UP, entre muitas outras exigências", relata. E mesmo que o docente cumpra todas as exigências, conta a professora, "ninguém pode chegar ao Excelente sem ser por ação direta do avaliador, porque o programa termina em 199,9 e o Excelente pressupõe 200,4 ou coisa parecida".
Lamenta ainda o facto de o cumprimento de todas as exigências com louvor, não significar um aumento de ordenado. "Por exemplo, eu ganho o mesmo que em 2005. Melhor: ganho menos 10% do que em 2008, quando a troika nos mexeu nos rendimentos. O Governo apregoou aos quatro ventos que tudo tinha sido reposto, mas repôs, alterando os escalões de IRS. Fiquei num escalão superior, para o mesmo ordenado, por isso ganho 10% menos do que em 2008. E, como eu, muitos colegas, claro", sustenta. A fonte relembra que o universo de docentes e investigadores se faz de pessoas "altamente qualificadas, com mestrados, doutoramentos e pós doutoramentos", com "investigadores a recibo verde e sem segurança laboral antes dos 35 anos".
O doutorado Mário Coelho, foi investigador da Universidade do Minho (UM) em dois períodos diferentes, de setembro de 2009 a maio 2017 e, depois, de novembro de 2019 a setembro de 2022. Em paralelo, esteve a tirar o curso de engenharia informática. Acabou por receber um convite para trabalhar numa empresa privada na área das tecnologias de informação e abandonou a docência no ES. Uma decisão que, diz, "iria acontecer mais cedo ou mais tarde". Quando decidiu fechar a porta à UM tinha um contrato de investigador júnior com término em junho de 2023, mas, recorda, "Já tinha estado pior, com bolsas, por exemplo".
O antigo investigador não tem dúvidas em afirmar que a dificuldade "não é atrair, mas sim reter, uma vez que os doutorados começam a sua vida doutoral dentro das universidades". "O problema é que a dita carreira não chega a existir. Tenho vários colegas que, após concluírem o doutoramento e algum período de investigação pós-doutoral, acabaram por ir para o privado (dentro e fora do país) pois, tal como referi, a carreira não existe", explica. Há, para o doutorado, dois perfis de docentes e investigadores, "os que alimentam a esperança e, por consequência, o sistema de investigação" e os que "assumem que isso nunca vai acontecer e saem mais cedo ou mais tarde".
"Eu estou nesta segunda categoria", afirma. Essas dificuldades, conta, são transversais aos "demais funcionários das universidades". "Na verdade, diria que o ensino superior no geral, e as universidades em particular, são um barril de pólvora pronto a explodir a qualquer instante. Os profissionais que lá se encontram têm níveis de frustração, desmotivação e burnout, muito elevados", relata. Mário Coelho acredita ser necessário "repensar totalmente o modelo de financiamento das instituições e o modelo de contratação e avaliação das carreiras, entre outros". O engenheiro lamenta o tratamento diferenciado que as universidades adotam para as mesmas funções, com investigadores doutorados a fazer o mesmo trabalho dos docentes de carreira, com "opções de progressão de carreira completamente distintas". "Na prática fazem o mesmo, na teoria uns são profissionais de carreira e outros são tarefeiros a prazo", conclui.
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