O ADN da arte contemporânea em 200 obras de Rauschenberg

Exposição em Londres reúne mais de 200 obras de Robert Rauschenberg, artista norte-americano que inventou a arte do século XX.
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Artista pioneiro, revolucionário e inspirador, Robert Rauschenberg inventou a arte do século XX. Uma impressionante exposição retrospetiva agora inaugurada na Tate Modern, em Londres, reúne mais de 200 obras deste criador norte-americano.

Rauschenberg (1925-2008) foi, sobretudo, um artista com muitas faces. Ele desafiou a ideia tradicional do pintor que se restringe a um único estilo ou a uma única disciplina. Sala após sala da Tate Modern (a galeria de Londres dedicou-lhe 11), cada capítulo das seis décadas da carreira de Rauschenberg surge com o seu génio criativo exibido em plataformas e escalas tão diferentes - da pintura à escultura, da coreografia, tecnologia e fotografia até à música.

"Esta exposição é um tributo a um artista com uma curiosidade voraz", explicou uma das curadoras, Catherine Wood, durante a apresentação à imprensa internacional. "O que vemos aqui é uma espécie de genoma da arte contemporânea, o ADN de tanto do que se vê [na arte de] hoje."

Rauschenberg foi um precursor da pop art, uma década antes de Andy Warhol. Abriu caminhos novos para a arte, recorrendo a coisas simples e pouco convencionais como tecido, embalagens de cartão, objetos de uso quotidiano ou simples lixo que encontrava nas ruas de Nova Iorque.

Reconhecido desde cedo como um dos artistas norte-americanos mais influentes do pós-guerra, Robert Rauschenberg foi galardoado na Bienal de Veneza de 1964. Juntamente com Andy Warhol, foi um dos cinco artistas selecionados pela NASA para colaborar numa peça que viajou na missão Apollo 12 e foi depositada na Lua (a exposição da Tate tem uma cópia).

Duas grandes exposições em Nova Iorque - primeiro no Museu Guggenheim (1994) e depois no Metropolitan Museum of Art (2005) - lançaram Rauschenberg, em definitivo, para a estratosfera da arte contemporânea. As obras dele atingem, agora, valores verdadeiramente galácticos.

No ano passado, por exemplo, um quadro intitulado Johanson"s Painting (1961) - uma assemblage que inclui um pedaço de madeira, metal, corda, papel, uma pequena moldura, uma lata e uma escova de barbear - foi arrebatado num leilão da Christie"s por 18,6 milhões de dólares (17,4 milhões de euros).

A exposição na Tate Modern inclui várias obras que refletem o seu espírito indisciplinado, mas também uma enorme originalidade. A mostra inclui, por exemplo, um dos quadros monocromáticos da série White Paintings, de 1951. O quadro, formado por vários painéis, é totalmente branco, tem uma superfície muito lisa e cria uma espécie de espelho (Rauschenberg usou rolo de pintura e tinta brilhante industrial).

Noutra sala, um tanque de quase quatro metros está cheio de uma mistura borbulhante de argila e água. As bolhas de ar são impulsionadas pelo som controlado por uma consola. A obra (Mud Muse, de 1968-71) foi emprestada pelo Moderna Museet de Estocolmo e é simultaneamente fascinante e surpreendente.

Rauschenberg, que morreu em maio de 2008, fazia arte a partir de qualquer coisa. Uma caixa cheia de terra, por exemplo. Ou um calhau atado com uma corda a uma peça de madeira. Em 1953, pediu ao amigo John Cage para conduzir cuidadosamente o Ford Model A dele sobre uma série de 20 folhas de papel. Uma das rodas do carro estava coberta de tinta.

O inesperado resultado final, intitulado Automobile Tire Print, é uma obra cativante que se estende agora por uma das paredes da Tate Modern. A mesma sala inclui Erased, de Kooning Drawing, igualmente de 1953, uma das obras mais originais. Rauschenberg pediu um desenho ao pintor Willem de Kooning - seu vizinho em Nova Iorque e um dos baluartes do expressionismo abstrato - e explicou-lhe que tencionava apagar os rabiscos. De Kooning não se importou.

Seria possível produzir uma obra de arte através da eliminação (em vez da acumulação) de marcas? Rauschenberg usou várias borrachas e passou semanas a apagar o desenho. O resultado final foi cuidadosamente arrumado num quadro com legenda, moldura e cartolina. Como em tantos outros trabalhos, Rauschenberg explorou, aqui, os limites - e a própria definição de arte.

A exposição da Tate Modern inclui obras provenientes de museus de todo o mundo e que só raramente são emprestadas. Entre estas estão algumas das famosas Combines - obras híbridas que combinam a pintura e a escultura - criadas no período de 1954-1962. É o caso das famosas Monogram (1955-59) e Bed (1955). A primeira foi emprestada pelo Moderna Museet (a obra esteve exposta em Lisboa, em 1985, no antigo Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian) e é uma combinação irreverente de um pneu e uma cabra angorá embalsamada montada sobre um quadro abstrato coberto com letras, tinta, recortes, tecido, uma sola de sapato e uma bola de ténis, entre outros.

A segunda, Bed, foi uma das primeiras Combines. Sem dinheiro para comprar tela, Robert Rauschenberg - então com 29 anos - pintou os lençóis da cama, o travesseiro e uma colcha com tinta, lápis, verniz das unhas vermelho e pasta dentífrica. A peça, de quase dois metros, foi montada numa estrutura de madeira e foi vendida por 1200 dólares em 1958. Hoje pertence à coleção do MoMA de Nova Iorque.

"Agora tudo isto parece normal. Mas na altura foi um gesto verdadeiramente revolucionário - produzir arte que tem todas as ambições artísticas e que ao mesmo tempo incorpora o mundo dentro da arte", explicou Achim Borchardt-Hume, diretor de exposições da Tate Modern. "Ele [Robert Rauschen-berg] nunca teve medo. Usou recortes de jornais, tinta a pingar, lençóis, cerâmica, tiras cómicas - todas as coisas que era suposto não usar. Mas usou."

A exposição, organizada em colaboração com o MoMA de Nova Iorque, é uma das mais exaustivas de sempre. A organização demorou mais de três anos e inclui também várias pinturas serigrafadas, como Kite, de 1963 (um quadro que integrou a mostra Pop"60"s do Centro Cultural de Belém, em 1997), ou a famosa Retroactive II (1964) que serve de cartaz do evento na Tate Modern.

Informação útil

"Robert Rauschenberg"

Tate Modern, Londres

Preço: £16,80 (euro19,90)

Todos os dias, das 10.00 às 18.00 (até às 22.00 às sextas e sábados)

Até 2 de abril

www.tate.org.uk

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