O acesso ao ensino superior: um problema à espera de reforma
Milhares de jovens portugueses realizam, até 6 de julho, os exames finais do ensino secundário, correspondentes à 1.ª fase. Para além da conclusão do ensino secundário, o objetivo é ordenar os alunos no processo de admissão ao ensino superior. É com base na posição de cada um numa lista ordenada de classificações, por ordem decrescente, que se sabe a que permitirá a última entrada em cada curso, mediante as vagas disponíveis.
Portugal tem um dos processos mais centralizados de admissão e distribuição dos candidatos ao ensino superior, em toda a Europa. A autonomia das respetivas instituições é mínima. Estas limitam-se a escolher os exames nacionais de ingresso dos quais pretendem utilizar as classificações, bem como a classificação mínima exigida para o acesso a cada curso.
Trata-se de um modelo desadequado, face à evolução do ensino superior em Portugal, marcado por um significativo aumento da oferta formativa. Foi pensado para um contexto de elevada procura e reduzida oferta, o que não é hoje o caso. Pelo contrário, temos agora mais um problema de assimetria regional no preenchimento das ofertas formativas do que propriamente falta de oferta.
Por um lado, sabemos que as escolhas dos alunos relativamente à frequência do ensino superior e aos cursos pelos quais optam estão relacionadas com o estatuto socioecónomico e padrões de valor cultural das respetivas famílias. E sabemos, igualmente, que as probabilidades de acesso ao ensino superior aumentam com os rendimentos das famílias, variáveis que se relacionam também com o sucesso escolar na educação básica e secundária.
Por outro lado, um modelo de acesso exclusivamente dependente de classificações em exames centra-se apenas e só no conhecimento substantivo das matérias curriculares, ignorando a apreciação de outros conhecimentos, capacidades e atitudes indispensáveis para qualquer área de formação ou profissão. Isto provoca, igualmente, um efeito de afunilamento do trabalho escolar, ao nível do ensino secundário, para a nota do exame, o que é limitador do ponto de lista pedagógico e redutor das possibilidades educativas desse nível de ensino.
Daqui resulta termos uma menor diversidade de alunos a chegar ao ensino superior do que aquela que poderíamos ter. Termos um modelo instituído que acaba por ser tirânico para o ensino secundário, retirando-lhe liberdade educativa e pedagógica. Termos instituições de ensino superior que veem a sua autonomia coartada, quando poderiam ter um papel bem mais relevante na seleção dos seus alunos, adequando os critérios de acesso ao perfil do aluno que pretendem captar para cada formação. Estamos a desperdiçar imenso talento, que fica pelo caminho neste processo altamente seletivo e segregador.
A proposta é, portanto, clara: separar os exames nacionais de conclusão do ensino secundário do processo de acesso ao ensino superior; conceder às instituições de ensino superior total autonomia na seleção dos seus alunos, desde que garantidas as condições de transparência e equidade; criar incentivos à escolha de determinadas instituições, por forma a corrigir as assimetrias regionais, bem como de certas formações, face às necessidades estratégicas do país.
Professor do ensino superior