O Abeto Dourado

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Por muito que a ficção se esforce, por muito que se escrevam romances, novelas, contos imaginosos, será difícil conceber uma história tão surreal e absurda como esta - e é tanto o seu desconcerto que nem se sabe ao certo por onde começar, qual deve ser o princípio desta narrativa.

Escolha-se um ano ao acaso, o orwelliano 1984, quando os cientistas dos serviços geológicos do Canadá, num rastreamento de rotina pelas águas do Estreito de Hecate, na Colúmbia Britânica, detectaram ecos de um ruído bizarro e anómalo, vindo das profundezas - e que aos sonares dos navios parecia resultar de um abalo sísmico, tal era a sua magnitude e potência. Os sons dessa mensagem críptica, quase alienígena e extraterrestre, eram produzidos por uma esponja gigantesca, pré-histórica e avassaladora, que tinha uma extensão de muitos quilómetros quadrados e se espraiava entre o Estreito de Hecate e a Enseada da Rainha Carlota. Pensava-se que esponjas como aquela estavam extintas há mais de 65 milhões anos; no Jurássico, há 140 milhões de anos, cobriam centenas de milhares de quilómetros quadrados do que era então o leito dos oceanos e ainda hoje é possível encontrar os seus restos fossilizados desde o Oklahoma até à Roménia. Agora, em 1984, e por um puro golpe de sorte, uma equipa de geólogos canadianos encontrara, majestoso e flutuante, o ser com maior massa que alguma vez viveu no planeta Terra.

Não longe dali, a cerca de 250 quilómetros para sudoeste, outros cientistas descobriram as águas com a temperatura mais elevada alguma vez registada na natureza - 370 graus Celsius -, provinda de fontes termais vulcânicas, em redor das quais vivem milhões de criaturas, cuja esmagadora maioria era inteiramente desconhecida, e em parte ainda o é. Também por perto, foi descoberto o maior polvo do mundo, o gigante-do-Pacífico (Enteroctopus dofleini), que, entre as pontas dos braços, chega a atingir nove metros e a pesar 250 quilos, e do qual existe um exemplar, creio, no Oceanário de Lisboa.

São estranhos numa terra estranha, uma paisagem alucinante, escassamente povoada por humanos, eternamente envolta em névoas gélidas e espessas. As árvores chegam até à linha de água e as florestas são praticamente impenetráveis, já que ao caminhante se deparam, a todo o instante, troncos tombados, descomunais, com dezenas de metros e várias toneladas. Vista a partir do espaço, a mancha verde estende-se, ou estendia-se, desde a Ilha Kodiak, no Alasca, a segunda maior dos Estados Unidos, a seguir ao Havai, até Mendocino County, na Califórnia, passando pela Colúmbia Britânica, por Washington e pelo Oregon. Uma extensa cordilheira de montanhas, que corre praticamente ao longo de toda a costa do Pacífico, na faixa Noroeste do continente americano, criou as condições ideais para que ali despontasse uma floresta única, absolutamente única, composta de coníferas sumptuosas, de cedros-vermelhos, de sequoias imponentes, que cresceram ao longo de centenas ou milhares de anos, protegidas da fúria do vento, das temperaturas extremas, da voracidade humana. Se as temperaturas se mantiverem estáveis, acima dos três graus centígrados, uma conífera é capaz de crescer sem limites, incessantemente, razão pela qual ali existem árvores de dimensões tremendas, estratosféricas. Noutras paragens do globo, desde o Japão às Terras Altas da Escócia, passando pela Irlanda ou a Islândia, e até à costa Leste do Mar Negro, existem condições muito idênticas às, ou parecidas com as, do Pacífico Noroeste, mas desde há muito que os homens dizimaram as florestas que por lá havia.

No seio daquela atmosfera ímpar, antediluviana, o Arquipélago Haida Gwaii é o mais singular e o mais remoto de todos. O seu nome significa "Ilhas dos Homens", na língua do povo haida, que lá vive há milhares de anos. Os ingleses baptizaram-no "Ilhas da Rainha Carlota", o nome do navio do capitão George Dixon, que o visitou em 1787, mas há pouco foi devolvido à designação originária. Ainda hoje, apesar do progresso, Haida Gwaii, um conjunto de ilhas cercadas por um mar revolto, com ondas de vários metros, é de impossível ou muito difícil acesso. E, com os céus cobertos de nuvens cerca de 250 dias por ano, é um dos lugares mais chuvosos de todo o continente americano, onde a vida irrompe com um vigor assombroso. Por vezes, entre a penumbra fantasmagórica, avistam-se raros arco-íris lunares. No princípio do século XX, um caçador solitário que por lá andou em busca de uma espécie única de caribus, regressou dizendo que, no interior da floresta, se tinha uma sensação visual estranhíssima, talvez fruto da refracção da luz, em que todos os objectos, em especial as árvores e os ramos frondosos, parecem estar à distância de muitos metros, por vezes quilómetros, quando na realidade se encontram mesmo defronte de nós. Mesmo nas fotografias, quem olha para aqueles colossos arbóreos, mais altos do que muitos arranha-céus, erguendo-se a 50 ou 70 metros do solo, fica espantado ao pensar que numa só semente de abeto Sitka (Picea sitchensis), que pesa 1/500 de grama, está toda a informação necessária para produzir uma árvore com mais de 300 toneladas, o equivalente a três baleias-azuis.

No Outono de 1700, ou por volta disso, na margem Oeste do Rio Yakoun, deu-se um fenómeno extraordinário, absolutamente único na história do planeta: entre as dezenas de milhões de abetos Sitka do Pacífico Noroeste, entre os milhares e milhares de sementes que todos os anos caem ao solo, provindas de uma árvore que aí existia há centenas de anos, provavelmente do tempo dos viquingues, brotou o milagre, um milagre do tamanho de um grão de areia, tanto ou mais raro quanto, apesar de terem um período fértil de 750 anos, os abetos Sitka, ao longo de toda a sua vida, produzem não mais do que uns 12 rebentos que alcançam a maturidade. À primeira vista, aquela semente microscópica era igual a milhares ou milhões de outras que se acumulam no solo de Haida Gwaii, das quais só poucas germinam. Mas alguma coisa terá havido no seu código genético, na sua informação de 1/500 de grama, talvez um desígnio divino, talvez um azar da natureza, ou o acaso do destino, por certo uma combinação fortuita de vontade e sorte, ambas indomáveis, irrepetíveis. Ainda hoje não se sabe ao certo o que se terá passado para que, entre milhões e milhões de outros abetos, aquele tenha nascido e crescido assim, com uma coloração que nenhuma outra jamais teve ou terá, de um dourado refulgente e intenso, como se fosse produto e obra de deuses. Segundo a lenda do povo haida, que a venerou como sagrada, aquela não era uma árvore, mas um ser humano, ou o que dele restava. Durante milhares de anos, nunca os haida tinham dado o nome a uma só árvore, mas aquela era diferente, jamais vista, e por isso chamaram-lhe K"iid K"iyaas, o Velho Abeto.

Os cientistas só a descobriram já no nosso tempo, em pleno século XX. Em 1924, quando esbarrou com ela, o madeireiro e baronete escocês Sir Windham Anstruther ficou abismado, dizendo mais tarde que fora incapaz sequer de a marcar com o seu machado, tal a beleza de uma árvore toda feita de oiro, a brilhar destacada no imenso verde. Quem a estudou chegou a pensar tratar-se de uma espécie inteiramente nova, mas concluiu-se que se tratava de um abeto Sitka como os outros, apenas de uma cor fulgurante e metálica, quase a meio caminho entre os reinos vegetal e mineral. Teve honras de nome científico próprio, Picea stichensis aurea, desfazendo equívocos e boatos que, erroneamente, ora diziam que tudo não passava de um simples reflexo da luz, ora afirmavam que era uma árvore já morta, ou moribunda.

Curiosamente, desgraçadamente, o Abeto Dourado foi descoberto no tempo em que os forasteiros vindos de longe depararam com a imensa riqueza das florestas de Haida Gwaii, quilómetros a perder de vista de madeira sem igual. Em The Golden Spruce - A true story of myth, madness and greed, um livro que bem daria um thriller, John Vaillant conta-nos a história da árvore lendária e da epopeia da exploração florestal na costa Noroeste do Pacífico, uma actividade que, nas suas primeiras décadas, era, provavelmente, a mais perigosa e letal do mundo. Nas equipas, que se embrenhavam no mato para cortar aqueles monstros vegetais, munidas de simples machados e de ferramentas rudimentares, todos os dias, literalmente todos os dias, havia acidentes graves, responsáveis por dezenas de mortes atrozes ou de ferimentos para toda a vida. Os desastres eram tão frequentes que, se um homem morria a cortar uma árvore, os outros afastavam o corpo para o lado, prosseguiam a jornada de trabalho, e apenas no final dia recolhiam e sepultavam o cadáver. Só se conhece uma ínfima parte do sucedido no interior daquelas florestas, onde homens duríssimos, muitos deles antigos criminosos ou foragidos à Justiça, eram esmagados por árvores que pesavam toneladas, trespassados pelos seus ramos, estraçalhados por cabos de aço esticados lá nas alturas. Houve também casos em que grupos de dois, três homens, desapareciam na floresta, eram literalmente engolidos por ela, nunca mais se sabendo do seu paradeiro. O álcool e os bons salários faziam esquecer o perigo por breves momentos, mas ele estava lá sempre, a toda a hora e a todo o instante, à espreita no bosque escuro.

Durante séculos, a geografia resguardara aquela floresta da cupidez dos humanos. Se acaso não fosse localizada ali, num ponto distante de tudo, mais longínquo do que a Tasmânia, sem qualquer interesse político ou económico, Haida Gwaii teria tido destino idêntico ao de outras florestas do planeta, dizimadas até praticamente não sobrar árvore alguma. A densidade da floresta, por outro lado, dissuadia explorações no interior das ilhas, mesmo quando as zonas costeiras já eram avidamente procuradas pelos caçadores de lontras-marinhas, um animal que na China de finais do século XVIII, durante a Dinastia Manchu, era pago a peso de ouro, com cada pele a valer cerca de 2400 dólares à cotação actual, e taxas de lucro da ordem dos 1800 por cento (para se ter uma ideia da sedosidade do pêlo das lontras-marinhas: a cabeça de um homem adulto tem 100 mil cabelos, em cada cinco centímetros quadrados de lontra-marinha há 600 mil pêlos). A matança foi tal que, ao fim de poucas décadas, por volta de 1810, já poucas lontra-marinhas restavam nas costas do Pacífico Noroeste, numa triangulação que envolveu a procura chinesa, o comércio e o transporte europeus e o morticínio perpetrado pelos próprios povos indígenas. E, como uma fatalidade da história humana, a avidez desmesurada fez com que, ao fim de duas ou três décadas de lucros fabulosos, nada mais sobrasse. As tribos começaram então a guerrear-se entre si, o comércio dos europeus cessou, estes começaram a atacar e a sequestrar índios na miragem de mais peles; e, ao fim de poucos anos, os haida nada mais tinham do que algumas peças de artesanato ou batatas para trocar com os forasteiros (estatística: a população autóctone da Colúmbia Britânica decresceu 95% desde a chegada dos europeus).

Com a madeira, passou e passa-se o mesmo. Milionários como John Rockfeller ou o magnata das madeiras Frederick Weyerhaeuser, bem como o rei dos comboios californianos e fundador da universidade com o seu nome, Leland Stanford, adquiriram vastíssimas extensões de terra ou os seus direitos de exploração, e começaram as "colheitas" de madeira, nome por que ficou conhecido o abate em massa de milhões de árvores, em áreas que, hoje percorridas de avião, mais se assemelham a paisagens lunares. Com equipamentos cada vez mais sofisticados e destruidores, abriram-se caminhos e clareiras na floresta, aniquilaram-se milhões de árvores grandiosas, que levaram séculos a crescer e a chegar àquele tamanho assombroso. A brutalidade era tanta e tamanha que uma parte significativa da madeira - cerca de 30%, segundo as estimativas - nem era sequer retirada do local e ficava a apodrecer sob a forma de cotos desaproveitados, um pecado que, apesar dos progressos realizados, ainda continua a manchar a indústria florestal. E, para piorar as coisas, só nos anos 1960 é que se adoptou a prática de replantar as áreas devastadas, e, ainda assim, de forma não-sistemática. Na mira do "progresso" e do "crescimento", os governos e as autoridades locais foram de uma complacência criminosa com tudo isto, a ponto de se dizer que a Colúmbia Britânica era uma república das bananas, só com bananas maiores...

Enquanto isso, os índios devoraram-se em disputas tribais infindáveis, muitos deles fugiam da terra para as cidades, afundaram-se no crime, na prostituição e no álcool. Com a nova maquinaria, os salários dos cortadores de árvores decresceram 30%, enquanto Weyerhaeuser se expandiu desmesuradamente, até se tornar o que é hoje: a maior empresa madeireira do mundo. Como sempre sucede, a promessa de riqueza foi um fogo-fátuo: em Port Rupert, no auge da "febre da madeira", um cortador de árvores passou a ganhar mais do que um médico, mas, poucos anos depois, recebia menos do que um professor de liceu. E a Weyerhaeuser, claro, acumulou faustosos lucros e, depois, reconverteu a terra esventrada na especulação imobiliária.

Assistindo impávido a tudo isso, e à ganância dos homens, o Abeto Dourado continuou a ser venerado pelos haida e, em meados dos Anos 80, converteu-se numa atracção turística, em redor da qual se construiu um motel e promoveram excursões e diversas iniciativas de ecoturismo. Ruth Jones, uma artista de Vancouver que visitou o Abeto em 1994, ainda hoje recorda a experiência como uma das mais marcantes da sua vida: contemplar longamente uma árvore coberta de um dourado brilhante, irreal, que mais parecia vindo de um conto de fadas.

Tragicamente, a história do Abeto Dourado, longa de muitos séculos, cruzou-se com a de um homem, que era também, a seu modo, um prodígio da natureza. Nascido em West Vancouver, em 1949, no seio de uma família de madeireiros, Thomas Grant Hadwin seguiu as pisadas do pai, tornando-se cortador de árvores e, mais tarde, engenheiro florestal. Com uma capacidade ímpar para se aventurar na floresta e aí permanecer sozinho semanas a fio, vivendo apenas do que a terra lhe dava (bagas silvestres, peixe e moluscos), especializou-se em descobrir locais para o abate de árvores, tarefa que exige, mais do que localizar espécies arbóreas, saber descortinar as vias de acesso possíveis, para que as máquinas possam entrar vorazmente no mato e para que, depois, a madeira possa ser carregada e transportada dali para fora. Hadwin era exímio no seu trabalho, mas, a dado passo, vendo a desolação reinante, as raízes mortas, a terra por cicatrizar, começou a interrogar-se sobre o que fazia. Os que o conheceram dizem que era um solitário, que não gostava de trabalhar em equipa, outros referem que tinha problemas mentais a cada dia mais evidentes, recordam o suicídio do irmão esquizofrénico. Lembram ainda a espiral de loucura que se apossou dele, a saída do emprego, o divórcio tempestuoso, o começo de uma existência errante, na qual muitas vezes teve de ser resgatado por equipas de socorro em helicóptero, ao fim de semanas perdido, ou não, nas paragens mais geladas e inóspitas, lugares nos quais poucos ou nenhuns homens seriam capazes de sobreviver, excepto ele, Grant Hadwin, um filho da floresta. Começou então a escrever, furiosa e incessantemente, textos longos e hiperbólicos contra a corrupção do "sistema" e as empresas madeireiras e um amigo disse que, nas conversas, fazia a apologia do terrorismo como única solução viável para os males do mundo, advogava a abolição do dinheiro e da religião, defendia que todos os homens fossem substituídos por mulheres nos governos e nas lideranças.

Em Janeiro de 1997, por razões que ainda hoje permanecem um mistério, Grant Hadwin viajou até Haida Gwaii, onde comprou uma motosserra e outro equipamento de corte, e foi até à margem Oeste do Rio Yakoun. Aí, durante a noite, golpeou o Abeto Dourado, depois cortou-o e abateu-o com precisão e método: começou pelos anéis de fora, os mais recentes, até ir, pouco a pouco, aos dias em que a árvore despontara, os tempos em que nenhum europeu chegara sequer à Colúmbia Britânica. Por fim, a talhes de motosserra, terá alcançado o ponto original e fundante, aquele milésimo de segundo em que uma semente ínfima, de 1/500 de grama, decidiu ser diferente das outras, de todas as outras que existiram antes e que existirão depois dela, o instante, enfim, em que Deus ou a Natureza criaram um Picea stichensis aurea. Diz-se que o ruído de uma árvore desta envergadura a tombar se assemelha a um gemido cavo e profundo, um estrondo que mais parece o de um grande edifício em colapso. Por certo, Grant Hadwin terá escutado o Abeto Dourado em estertor, o grito derradeiro da árvore que acabara de matar e, depois, o silêncio arrepiante com que as tragédias sempre culminam.

A seguir, fugiu dali, de manhãzinha, sem pressas nem sobressaltos. Foi até ao Arquipélago de Prince Rupert e de lá enviou um fax para a imprensa, dizendo que o seu acto fora motivado "pela raiva e pelo ódio contra os profissionais treinados nas universidades e os seus apoiantes extremistas" (sic). Por telefone, quando um amigo lhe referiu que acabara de abater o Abeto Dourado, justificou-se dizendo que, se tivesse sabido de que árvore se tratava, nunca a teria deitado abaixo. Andou a monte vários dias, mas seria localizado, detido pela polícia e levado à presença de um juiz, que determinou que aguardasse julgamento sob fiança. A audiência foi marcada para 18 de Fevereiro, em Masset, na costa Norte da ilha de Graham, Arquipélago de Haida Gwaii, havendo muitos e fundados receios de que fosse morto mal chegasse ao tribunal, tal era a ira dos índios, e não só, pois, como escreve John Vaillant, o Abeto Dourado teve o condão de irmanar, por uma só vez, povos indígenas, madeireiros e ambientalistas, unidos no desejo de vingança contra Thomas Grant Hadwin e contra o seu gesto insano, absurdo e estúpido.

Dias antes do julgamento, a 14 de Fevereiro, o réu desapareceu - e nunca mais foi encontrado. Em Junho, as equipas de busca e salvamento conseguiram localizar o seu caiaque nas costas de Mary Island e ainda hoje muitos afirmam que Hadwin, um homem com dotes ímpares de sobrevivência nas mais agrestes condições da natureza, terá simulado o seu desaparecimento, assim escapando à prisão ou à morte anunciada.

O seu acto, surreal e absurdo, é mais comum do que parece: em 1987, um homem de Vancouver abateu, em apenas meia-hora, um cedro-vermelho de seis metros e meio de diâmetro; em 1989, outro homem, alegando um desgosto de amor, envenenou o Treaty Oak, um carvalho lendário de Austin, do qual foi possível salvar um terço graças a um cheque em branco emitido por Ross Perot; em 2000, Luna, uma sequoia-vermelha com mais de mil anos, situada em Humboldt, na Califórnia, foi atacada com gravidade e ainda hoje corre perigo de vida. Comentando o gesto de Hadwin, alguns compararam-no, e bem, ao daqueles que, em nome da "defesa da vida", matam médicos e põem bombas nas clínicas que fazem abortos.

Numa árvore com a envergadura do Abeto Dourado, uma molécula de água leva uma semana, ou mais, a percorrer a distância da raiz até aos ramos. Para abater uma árvore daquele tamanho, eram necessários meses, na década de 1790; depois, algumas semanas, em 1890; em 1930, um dia de trabalho de doze homens; hoje, basta uma hora e o esforço de três homens. "Oitocentos anos para crescer, 25 minutos para vir abaixo", resumiu um madeireiro, orgulhoso e triunfante. Se a isso juntarmos os fogos, como o que deflagrou na Colúmbia Britânica em 2004, aliado aos do Alasca e de Idaho, e cujo fumo foi visível do Estreito de Bering à cidade de Nova Iorque, compreenderemos as estimativas que garantem que, a este ritmo, a floresta primitiva do Pacífico estará extinta dentro de 35 anos. E, mesmo que a replantássemos hoje, na íntegra e sem deslizes, só daqui a 800 anos voltaríamos a tê-la de novo. Em suma, e na melhor das hipóteses, oito séculos à espera para a termos outra vez virgem e intocada, tal qual os nossos avós e bisavós a viram. "Todos sabemos que estamos a consumir mais matéria-prima do que aquela que é arborizada" -, quem o disse há dias, sobre a floresta portuguesa, não foi um ambientalista radical e furioso, foi Pedro Serra Ramos, presidente da ANEFA, a Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente, uma entidade que congrega dezenas de empresas madeireiras e de exploração florestal. Comentava Pedro Ramos a notícia segundo a qual, no último ano, a indústria dos pellets consumiu mais de 1,5 milhões de toneladas de madeira em Portugal, situação que tende a agravar-se e que compromete, de forma drástica e irreversível, o futuro da nossa floresta. Depois, não se queixem

Historiador
Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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