O 25 de Abril começou (e acabou) em África

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Na errada mitologia portuguesa contemporânea o 25 de Abril de 1974 surge como um movimento, quase caído do céu, de modernização que derrubou o fascismo e concedeu a independência às colónias. Atente-se na palavra "concessão". A verdade, porém, é muito diferente. Foi a luta armada anticolonial desenvolvida em África que esteve na origem do 25 de Abril.

Três aspetos mostram que o 25 de Abril começou em África: as datas, as personagens e as prioridades políticas.

1. As datas - O PAIGC, coroando uma estratégia militar brilhante que possibilitara a libertação de grande parte do território, reúne no dia 24 de Setembro de 1973 em Lugajole, Madina do Boé, a Assembleia Nacional Popular, e declara unilateralmente a independência da Guiné. A esta monumental derrota política e militar para o regime colonialista português, soma-se nos meses seguintes a humilhação de ver a comunidade internacional reconhecer o novo Estado africano. Países do bloco socialista na Europa, Ásia e América, mas também países da Europa ocidental e a quase totalidade dos países africanos.

Reconhecendo a derrota militar e política um grupo de oficiais portugueses começa a organizar-se para derrubar o Governo. Escassos seis meses depois da proclamação da independência da Guiné, a 16 de março de 1974, arranca uma primeira tentativa de derrube do regime fascista. No mês seguinte uma nova tentativa de derrube do fascismo é bem-sucedida. Esta sucessão de eventos mostra que a causa próxima do 25 de Abril foi a derrota militar na Guiné que se consubstanciou na proclamação da independência deste país em finais de 1973.

Portugal deve, no fundo, a sua democracia a Amílcar Cabral e ao PAIGC. Como propôs recentemente o pensador africano, Apolo Carvalho, uma forma de homenagear o 25 de Abril seria a construção de uma estátua em lugar nobre a este combatente da liberdade.

2. As personagens - Os principais operacionais e intervenientes no 25 de Abril, desde Otelo Saraiva de Carvalho a Salgueiro Maia, passando por Vasco Lourenço e Ramalho Eanes, tinham estado envolvidos na guerra na Guiné. O homem a quem os capitães de Abril entregam a Presidência após a revolução foi ao General Spínola durante anos o chefe militar português da guerra colonial na Guiné. Não é por acaso. Naturalmente os militares envolvidos na guerra colonial na Guiné tinham uma visão mais clara dos acontecimentos, uma consciência plena de que a guerra estava perdida. Foram, pois, esses que organizaram o 25 de Abril, mobilizando, naturalmente, outros militares que estiveram envolvidos noutros palcos da guerra colonial. Foi a luta do povo Guineense e cabo-verdiano que lhes fez perceber que o colonialismo estava condenado.

3. As prioridades políticas - O Movimento das Forças Armadas estabeleceu três grandes prioridades: a Descolonização, a Democratização e o Desenvolvimento do país. Destas só cumpriu uma: a Descolonização.

Logo após a independência de Angola 11 de Novembro de 1975 e escassos três dias após a chegada a Lisboa das últimas tropas coloniais, cumprido o único objetivo comum - a descolonização -, a aliança entre militares de direita e de esquerda ficou desfeita e sobreveio de imediato o 25 de Novembro. A revolução chegava ao fim.

O 25 de Abril começou em África e o PREC morreu quando o processo de descolonização terminou, rompendo-se a cooperação entre os vários quadrantes do MFA que só o objetivo da descolonização mantinha unidos.

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