O 'pastiche' falhado de Soderbergh
Há um ano, a Berlinale viu George Clooney vestir a pele de um agente da CIA perdido nos labirintos da indústria petrolífera, em Syriana, filme-mosaico de Stephen Gaghan, produzido por Clooney e Steven Soderbergh. Ontem, o actor voltou para apresentar outra intriga internacional, passada desta vez na Berlim em ruínas de 1945 e com Soderbergh a realizar. O resultado, hélas, é igualmente decepcionante.
Com argumento de Paul Attanasio, que adapta de forma algo rígida um romance de Joseph Kanon, The Good German (estreia em Portugal a 8 de Março) acompanha as deambulações de Jake, um correspondente de guerra americano (Clooney) de regresso à capital alemã para acompanhar a Conferência de Potsdam, em que Truman, Estaline e Churchill "dividiram" a Alemanha e projectaram os equilíbrios da futura Guerra Fria. Mais abaixo na escala hierárquica, tanto do lado americano como do soviético, não faltam manobras na sombra e jogos perigosos, envolvendo corrupção, homicídios ou tentativas de capturar, para proveito próprio e sem dilemas morais, os grandes cérebros nazis.
Tendo nas mãos uma história que podia ser de Graham Greene (imaginem um cruzamento entre O Americano Tranquilo e O Terceiro Homem), Soderbergh quis filmá-la à maneira dos grandes estúdios dos anos 40, imitando os enquadramentos, os efeitos de montagem, o preto e branco contrastado e até as limitações técnicas da época. Mas o pastiche, mesmo se assumido (veja-se a cena final no aeroporto, decalcada de Casablanca), depressa se esgota em meia dúzia de piscadelas de olho cinéfilas. O que sobra é uma narrativa confusa, sufocada pela ribombante banda sonora, e o desempenho dos actores: um Tobey Maguire exuberante, mas que desaparece ao fim de meia hora; um Clooney em piloto automático; e uma Cate Blanchett em poses de Marlene Dietrich, confundindo mistério com astenia.
Ainda na competição, foram exibidos I'm a Cyborg, but that's OK, do sul-coreano Park Chan-wook, e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, do brasileiro Cao Hamburger. O primeiro é uma comédia romântica surrealista sobre meia dúzia de figuras internadas num hospital psiquiátrico: uma rapariga anorécti- ca que se julga um cyborg, lambe pilhas alcalinas ao almoço e gosta de falar com as lâmpadas; um rapaz traumatizado com o abandono da mãe que canta yodel como um pastor dos Alpes; etc. Bizarro, poético, com um sentido de humor muito orien- tal, I'm a Cyborg... é um ovni de tra- jectória irregular mas desopilante.
Quanto ao filme de Hamburger, co-produzido por Fernando Meirelles, belíssima crónica do Brasil de 1970, entre a repressão da ditadura militar e a euforia com a conquista da terceira Copa do Mundo pela melhor selecção de sempre do escrete (Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino...), está muitos furos acima dos rivais. De um equilíbrio narrativo e visual a toda a prova, eis uma pequena jóia cinematográfica que é desde já um fortíssimo candidato ao Urso de Ouro.