Javier Bardem. Um jornalista espanhol definiu-o assim: "Tem um físico de estivador portuário, mas é um estilista na interpretação cinematográfica." Uma das suas fãs foi mais concisa: "É um verdadeiro homem." Aos 38 anos, o actor espanhol acaba de receber o prémio da crítica de Nova Iorque e uma nomeação para o Óscar.Uma espanhola de cabelo ruivo, corpo decidido, que, por trabalhar em Cuba, passava a alfândega do país com medicamentos escondidos para os que precisavam, sem nunca dar hipótese a perguntas policiais, usou a mesma decisão para saltar as barreiras de metal numa rua de Madrid. No outro lado, estava Javier Bardem, fazendo um intervalo na rodagem de um filme. O actor aproximou-se e conversaram: afinal, tinham em comum o conhecimento da repressão do regime dessa ilha caribenha - o actor acabara de interpretar o escritor cubano Reinaldo Arenas, em Antes que Anoiteça, um filme que contava a vida extraordinária de um homem que resistiu para manter a sua dignidade, mesmo que a ditadura insistisse em o perseguir..O episódio foi contado anos depois, num jantar. Quando questionada, a mulher ruiva explicou porque saltara aquela barreira: "Bardem é um verdadeiro homem." Não se referia (apenas) ao que um jornalista espanhol definiu como "um físico de estivador portuário, de pugilista peso-médio; um estilista na interpretação cinematográfica, estilista selvagem, entenda-se." Ela admirava a forma como ele representa e define assim o seu ofício: "O actor é um porta-voz. Não é um líder. O mundo mediático impôs a ideia de que os actores são divinos, rodeados de frivolidade, o que não deixa ver nem o sacrifício nem a paixão." .Javier Bardem, 38 anos, quarta geração de uma família de actores, escolheu outros trabalhos enquanto crescia. Quis ser desenhador, dançou como stripper e jogou na selecção de râguebi. Consta que terá sido a tal atracção selvagem - em especial o nariz partido - que lhe garantiu o primeiro papel num filme de Bigas Luna. Mais tarde, o realizador espanhol acabaria por convidá-lo para protagonista de Jamón Jamón, no papel do rude galã que activava, sem resistência possível, a sexualidade das mulheres de aldeia - fica na história do cinema espanhol a cena em que ele e Penélope Cruz se devoram debaixo de um touro Osborne..Na década de 90, Bardem continuou a ser escolhido para estes papéis, ainda que no filme Em Carne Viva, de Almodóvar, o seu físico esteja preso a uma cadeira de rodas. Depois, em Antes que Anoiteça, seria Reinaldo Arenas, com andar bamboleante e capaz de mostrar o arco de uma vida inteira - um escritor que começa deslumbrado com a beleza da sua ilha, e termina destruído pela ditadura, doente com sida, no exílio de Nova Iorque. Este papel mostrou o trabalho de Bardem ao mundo (de Hollywood), tornando-o no primeiro actor espanhol nomeado para um Óscar. Seguiu-se a aplaudida personagem de um tetraplégico, em Mar Adentro. Quando Steven Spielberg o desafiou a integrar o elenco de Relatório Minoritário, rejeitou: "Não via a personagem em sítio algum.".Bardem prefere Madrid - onde tem um restaurante e onde caminha pelo centro com o seu iPod - ao confetti mediático lançado sobre as celebridades. Parece mais preocupado com o seu ofício: "Os actores também são trabalhadores. Temos de estar ao nível da rua para fazermos o nosso trabalho" - aquilo que o oscarizado Daniel Day- -Lewis descreve assim: "[Não faço mais filmes] porque preciso de aprender outras coisas. Não teria muito para dar se as minhas experiências só fossem retiradas do tempo que passo num filme.".Este ano, No Country for Old Man (Este País não É para Velhos), dos irmãos Coen, mostra Bardem como um assassino implacável, amoral, indecifrável, com cabelo de escudeiro, equipado de uma arma usada em matadouros. Por tal papel, Bardem já ganhou o prémio dos críticos de Nova Iorque e um Globo de Ouro. E acaba de ser nomeado para um Óscar como melhor actor secundário..Bardem não obedece ao boneco do macho latino com gel no cabelo, revela-se consequente com as suas preocupações humanitárias, mostra-se humilde na glória, e partilha cama com Penélope Cruz. Sendo favorito ao Óscar, está perto de uma perigosa unanimidade. Mas, como escreveram sobre ele na Vanity Fair, "o sedutor e forte batimento cardíaco deste espanhol habituou-nos a questionar qualquer expectativa." Talvez seja isso que impulsiona mulheres ruivas a saltar barreiras de segurança.|