"Nyusi devia ir para Cabo Delgado comandar diretamente as operações"
O ataque a Palma não é o primeiro reivindicado pelo Estado Islâmico em Cabo Delgado. É inesperado?
Havia uma expectativa generalizada de uma diminuição da capacidade de atuação e de uma certa desmobilização por parte dos combatentes jihadistas, até por relatos de problemas de comida. E havia um reforço do contingente das Forças Armadas moçambicanas na área, também por estar a terminar o período das chuvas, que tornava até agora as estradas intransitáveis e implicava dificuldades de deslocação. Entretanto, houve o anúncio do retomar das atividades da Total [empresa francesa que explora o gás natural da região, no maior investimento privado em África] na província de Afungi, deslocando para o local bastantes trabalhadores, numa altura em que também chegou um navio cheio de alimentos. E, de repente, dá-se o ataque. As informações são contraditórias, mas terão sido mais de cem combatentes a entrar e a atacar em várias frentes.
Eles dizem ter o controlo...
Sim, mas não têm. Disseram isso no dia do ataque, mas chegaram reforços, que fizeram com que não tivesse acontecido a Palma o mesmo que aconteceu em Mocímboa da Praia em agosto do ano passado. Mas a situação não está estabilizada. Palma não está ocupada pelas forças insurgentes, mas elas estão perto. Em função disto houve um recuo por parte da Total, que voltou a retirar os trabalhadores.
A operação parece ter sido bem montada por parte do Estado Islâmico. Isso significa que não vão desaparecer tão cedo?
A minha convicção era que iria haver, a muito curto prazo, uma tomada da vila de Mocímboa da Praia por parte das Forças Armadas moçambicanas. Aliás, algo que podem fazer a qualquer momento, porque está deserta de população. As unidades de combatentes que possam lá estar não conseguem aguentar uma ataque. Simbolicamente, é o único território, a única parte do nordeste de Cabo Delgado, que se pode considerar como ocupado pelo grupo. Mas isso não aconteceu. E, ao atacar em Palma, este grupo deita por terra essa expectativa de enfraquecimento da sua capacidade de atuação. Há relatos que chegam do local de que os grupos de combatentes foram abastecidos do ponto de vista logístico, em termos de armamento e munições, e também em termos de homens. O que parecia um certo esquecimento, alguma espécie de rutura entre o Estado Islâmico e este grupo, acaba por não acontecer. Durante três meses a agência de informação deles não diz nada sobre Cabo Delgado e, de repente, faz um comunicado a dizer "conquistámos Palma".
Com enormes repercussões...
Há também um aproveitamento da espetacularidade da ação, do facto de terem morto expatriados de algumas nacionalidade e terem conseguido fazer com que a Total recue no retomar da atividade e haja um volte-face relativamente ao maior investimento privado em África. Esta operação mostra que os grupos que combatem nesta guerra não estão derrotados, embora o seu modus operandi, não seja, ou não indique ser, a ocupação permanente de outras localidades, porque eles também não parecem ter dimensão para isso. Parecem ter dimensão para realizar ataques, bem coordenados, bem organizados, com combates experimentados, que conseguem superar a oposição que lhes é feita pelas Forças Armadas moçambicanas.
Qual deve ser agora a resposta da parte de Moçambique?
Com o retomar do interesse por parte do Estado Islâmico sobre o que se passa em Cabo Delgado, se é que esse interesse alguma vez diminuiu, é de esperar que as linhas de abastecimento de materiais e de logística sejam reforçadas em relação a estes comba- tentes. A resposta do lado governamental tem que ser uma resposta que, juntamente com parceiros internacionais, procure o mais rapidamente possível conseguir dois ou três resultados muito rápidos, que até este momento não estão conseguidos. O primeiro passa pelo controlo marítimo e pela vigilância, com drones e de outras maneiras, para tentar parar estas comunicações e linhas de abastecimento. Aí, África do Sul, França ou EUA podem ser importantes. Um segundo aspeto é haver uma ligação mais funcional entre Moçambique e a Tanzânia. Cabo Delgado faz fronteira a norte com a Tanzânia, que também não está interessada no desenvolvimento de focos de guerrilha deste tipo no seu território. Por último, o governo moçambicano necessita, como pão para a boca, não só de elementos das forças de segurança de outro países que saibam formar tropas especiais, mas também que ajudem os comandantes moçambicanos a comandar melhor.
É nessa área que Portugal quer ajudar enviando 60 militares para Moçambique. É suficiente?
São 60 militares especializados que vão apoiar ações que têm a ver com formação de tropas especiais e na área da logística. Portugal não tem condições para fazer mais. Portugal não pode nem deve colocar soldados na zona, porque seriam apresentados como troféus de guerra. E não é por falta de soldados que a guerra não está a ser ganha pelos moçambicanos. É pela falta de comando, pela falta de logística, pela falta de organização. Isto é uma guerra que tem que ser dirimida e que tem de ser feita pelo exército moçambicano.
E o que deve o presidente Filipe Nyusi fazer?
Neste momento há cerca de 700 mil pessoas refugiadas na província de que ele é natural, há uma guerra que já dura há mais de três anos e que agora se intensificou. Pergunto-me: Não fará sentido que o presidente, que foi ministro da Defesa e é de Cabo Delgado, vá para lá com a sua guarda presidencial comandar diretamente as operações? Isto dava à população de Cabo Delgado, particularmente aos refugiados, imediatamente a noção de que ele é o seu presidente e se preocupa, não está a 2700 quilómetros de distância. Nyusi devia ir para Cabo Delgado durante uns meses, até achar que já não é um problema de segurança, e deixar o primeiro-ministro e o governo a governar. O presidente devia tratar de um assunto que é fundamental, a soberania. Implica não só a defesa do território, mas a satisfação das necessidades da população. Se o presidente fizer o que já devia ter feito há muito tempo, Moçambique vai ganhar esta guerra rapidamente. Se não o fizer, não sei.