Nuremberga prepara reabilitação de património arquitetónico nazi
Era um local mítico do regime nazi em Nuremberga, cidade onde o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, sigla em alemão) realizou os seus congressos no período em que esteve no poder e antes do início da Segunda Guerra Mundial. Enquadrado pela arquitetura grandiosa concebida por Albert Speer, ali, Adolf Hitler proferiu discursos perante multidões entusiásticas e rendidas ao som da voz do Führer e das promessas de um "Reich para mil anos", que terminou ao fim de 12 e com a Alemanha de rastos.
No contexto de um cenário de ruína a cidade abriu um debate sobre o destino a dar aos edifícios e espaços concebidos por Speer. São dez quilómetros quadrados por onde se distribuem vários edifícios e o gigantesco espaço que ficou para a história no filme O Triunfo da Vontade , de Leni Riefenstahl, dedicado ao congresso do NSDAP de 1934 . No final da guerra os edifícios foram classificados como memorial às vítimas do regime.
Além dos recintos das concentrações - a Arena Luitpold e o Campo Zeppelin -, foram erguidos, sempre numa dimensão ao mesmo tempo monumental e esmagadora, outras 14 estruturas, algumas das quais acabaram por ficar incompletas (ver infografia).
Desde 1945, os edifícios propriamente ditos só foram alvo de obras pontuais. Agora, a escolha é deixá--los deteriorarem-se ou proceder, finalmente, à sua renovação. O custo estimado das obras é de mais de 70 milhões de euros. A decisão já está tomada, mas o debate prossegue sobre certos aspetos das obras. Estas tornaram-se indispensáveis por questões de segurança. Alguns dos edifícios estão a ser utilizados por diferentes serviços públicos.
O presidente da câmara, Ulrich Maly, considerou recentemente que "demolir estas construções iria provocar protestos internacionais. Vamos reabilitá-los mas não vamos embelezá-los. Ficarão apenas iguais ao que eram no início".
O argumento fundamental para justificar esta opção é que deixar os edifícios ficarem em ruínas poderia contribuir para lhes devolver a mística inicial como lugar máximo do regime nazi. A decisão final e respetivos contratos para a realização das obras serão firmados em 2016.
Após o final da guerra, as potências aliadas tinham decidido destruir todos os elementos arquitetónicos e edifícios de valor simbólico associados ao nazismo, mas acabaram por recuar em muitas situações por mero sentido prático. Com uma Alemanha praticamente reduzida a ruínas, qualquer edifício em condições de ser utilizado era um bem precioso. E foi isso que acabou por suceder com as construções de Nuremberga. E noutros pontos da Alemanha. Apenas foram despojados da heráldica do regime.
O próprio aeroporto de Tempelhof, em Berlim, hoje reconvertido em centro de acolhimento de refugiados, foi preservado enquanto infraestrutura por manifesta necessidade e foi particularmente útil durante o bloqueio soviético a Berlim Ocidental.
Os alemães e o regime nazi
Salvaguardados pelos aliados, os edifícios de Nuremberga e outras cidades alemãs voltaram a estar em risco em meados dos anos 1960, quando se iniciou no país um profundo debate sobre a relação da população com o regime e o modo como esta se identificou e foi cúmplice das autoridades nazis. Um debate que muito deve a um conjunto de conferências proferidas na Universidade Munique pelo filósofo Eric Voegelin, em 1964.
Voegelin evidenciou então como a generalidade dos alemães adotou uma atitude de "indiferença ética" ou "perversão ética" a que o regime nazi foi "buscar a sua verdadeira força" e permitiu a divinização de Hitler e a desumanização da sociedade.
Recorde-se que a Alemanha estava então dividida em dois Estados, a República Federal da Alemanha e a República Democrática Alemã, tendo este debate decorrido no primeiro.
Então, voltou a afirmar-se a opinião de que a arquitetura nazi devia ser reduzida a escombros e eliminada da paisagem. Por isso, no caso de Nuremberga assistiu-se, em 1966, à destruição parcial da Arena Luitpold e do Campo Zeppelin, em parte por razões de segurança devido à deterioração das colunatas e torres laterais em ambas as estruturas. O argumento da demolição acabaria por ceder, novamente por necessidades operacionais, e os edifícios são pontualmente intervencionados e utilizados para diferentes fins. Por exemplo, os aquartelamentos das SS no complexo de Nuremberga são hoje utilizados pelo Departamento Federal para os Migrantes e Refugiados.
Mais de 200 mil visitantes
Mas o debate sobre a utilização das estruturas arquitetónicas nazis nunca desapareceu da sociedade alemã, argumentando alguns que a sua preservação alimentava a nostalgia pelo regime, com outros a realçarem que a permanência dessas estruturas eram memória e prova viva de um regime que "nunca deveria ter existido", como se lhe referiu recentemente o presidente da Câmara de Nuremberga. Quer se argumente num sentido ou no outro, o espaço nos arredores da cidade onde o regime nazi ergueu o complexo é visitado anualmente por mais de 200 mil pessoas.
Nas cerimónias nazis, entre 1933 e 1938, cerca de um milhão de pessoas participavam nas concentrações organizadas em Nuremberga, designadamente no Reichsparteitag (Convenção Nacional do Partido), que decorreu normalmente em setembro no período em causa.
Ciente da longa controvérsia sobre o legado arquitetónico de Speer - que concebia aliás as suas obras considerando a forma que adquiririam ao tornarem-se ruínas - a autarquia de Nuremberga está a promover um debate público sobre o curso do programa de reabilitação previsto, que considera as vertentes da memória histórica, da recuperação do património edificado e o lugar destes no quadro da identidade de um país. E que considera também o contributo dos militares aliados após 1945. No plano de recuperação está contemplada a preservação dos graffiti feitos por aqueles no período em que ocuparam o local.