Nuno quer pôr os doentes com lesões na medula a sentir o mundo
Nuno Sousa está empenhado em ajudar os doentes com lesões na medula espinhal a ganhar maior mobilidade e sensibilidade do mundo ao seu redor. O médico e presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho (UM) reconhece que não sabe quando é que começou a gostar de medicina, mas sabe quando começou a interessar-se pelas questões relacionadas com a biologia, a curiosidade de saber mais os aspetos que estavam ligados à saúde - "foi um gosto que fui desenvolvendo ao longo da adolescência."
Durante esse período, o investigador em neurociências tinha a certeza de "querer estar ligado à geração de novo conhecimento", a que se juntou a "felicidade de ter alguns professores" que foram "indicando o caminho". "Disseram-me que com o tipo de investigação que parecia interessar-me mais, se calhar, a melhor formação de base para mim seria medicina."
E Nuno lá foi estudar medicina, embora confesse que "os primeiros anos do curso não eram muito vibrantes", pela falta de contacto com os doentes o que acabou por não ser muito apelativo. Até que chegou a altura de fazer investigação: "Realmente sentia-me muito feliz e muito entusiasmado. Sentia uma enorme paixão por aquilo que fazia ali." O curso terminou com a escolha de neurorradiologia como especialidade clínica.
Acabou a ser médico e dar aulas na faculdade de Medicina do Porto, mas há cerca de oito anos que não pratica "atividade clínica clássica". Hoje em dia está mais ligado à Escola de Medicina da UM e à investigação. A única ligação clínica que tem agora é "estar envolvido em investigação clínica".
E foi dedicado mais ao laboratório que ao consultório que acabou a vencer o Prémio Melo e Castro 2018 atribuído pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Nuno Sousa e a sua equipa do Instituto de Investigação Fundamental da Escola de Medicina da UM estão a desenvolver uma investigação sobre o uso de exoesqueletos na recuperação de pessoas com lesões vertebro-medulares.
"A medula espinhal é a forma como o cérebro se liga ao resto do corpo. E, portanto, quando há uma lesão da medula espinhal basicamente ela tem dois grandes componentes: um que é motor, e que é o que provavelmente é mais visível, e um componente sensorial." A investigação de Nuno Sousa tenta responder aos dois. "Quisemos fazer alguma coisa de diferente. Combinando tecnologia que pudesse endereçar os défices motores, obviamente, e os défices sensoriais."
Para esse resultado, o grupo de investigação usa esqueletos externos, cujo papel é "dar estabilidade e ser um complemento para o movimento". "Fazemos uma leitura dos sinais elétricos do cérebro e tentamos interpretar esses sinais por forma a transmitir informação à máquina - ao exoesqueleto - para ajudar a mitigar parte do problema motor daquele indivíduo." Através de um centro de controlo que permite que haja ação motora, ao integrar os sinais que dependem da vontade da pessoa para fazer movimento.
Ou seja, esta máquina vai tentar intervir no problema da ligação entre neurónios que impedem o movimento. Exemplificando, uma pessoa com lesão na medula espinhal diz ao cérebro para levantar o braço direito, mas não o consegue fazer, porque esta comunicação está danificada. "O que nós tentamos fazer é curto-circuitar este problema. Criamos uma ferramenta que permite que haja movimento e tentamos ler o comando do neurónio central e dar esse comando à máquina para ajudar o indivíduo a fazer aquele movimento."
Mas esta é só a parte motora. Para acrescentar a parte sensorial - por exemplo perceber as texturas, a pressão de pôr um pé no chão, o toque de uma mão na outra -, Nuno Sousa e a sua equipa estão a tentar construir mecanismos que permitam a quem tem este tipo de lesão ter uma informação sensorial e que ela seja relevante para que essas pessoas consigam interpretar o mundo externo. Este trabalho é feito recorrendo a diferentes técnicas, entre as quais, a realidade virtual.
Para já, o sistema ainda é relativamente simples, uma vez que estes são ainda "os primeiros passos de um processo de aprendizagem", sublinha o neurocientista.
Toda esta investigação foi distinguida pelos Prémios Santa Casa Neurociências, no valor de 200 mil euros. Um montante que segundo o médico representa duas coisas: "Um reconhecimento, que é por si só um estímulo para a equipa, e a segunda coisa é que é absolutamente instrumental para que possamos desenvolver este tipo de trabalho. Sem este apoio financeiro que o prémio traz consigo, obviamente não era possível para nós fazer este tipo de estudos e eles teriam que decorrer a um ritmo completamente distinto e eventualmente sem nunca conseguirmos alcançar uma boa parte dos objetivos a que nos propusemos."
É que apesar de muito satisfeito com a folga que bolsas deste género dão aos projetos científicos, Nuno Sousa tem a noção que este é um trabalho sem fim, já que "há sempre uma pergunta nova" que nasce em cada investigação científica. "Costumo dizer que os bons trabalhos de investigação respondem a uma pergunta, mas abrem um conjunto vastíssimo de novas perguntas. E isso para um indivíduo com as minhas características de personalidade é absolutamente fascinante. Detesto a rotina. De facto, adoro estar envolvido neste tipo de trabalhos em que há sempre oportunidade de colocarmos novas questões, de nos juntarmos com outras pessoas que têm o mesmo entusiasmo e de ter a ilusão - espero que, às vezes, verdadeira - de que fizemos um pequeno contributo para ajudar os nossos doentes."
Desde 2013, a Santa Casa já atribuiu 2,4 milhões de euros aos vencedores das primeiras seis edições. Os vencedores deste ano serão anunciados até ao final do mês de dezembro. O Prémio Melo e Castro, no valor de 200 mil euros, distingue projetos nas áreas da recuperação e tratamento de lesões vertebro-medulares. Pretende promover a descoberta de soluções para a reabilitação dos indivíduos afetados, reduzindo, de forma significativa, as limitações motoras e fisiológicas associadas. O Prémio Mantero Belard, também de 200 mil euros, tem como objetivo promover a investigação, no âmbito das doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento, como a Doença de Parkinson e a Doença de Alzheimer.