Nuno Monteiro (1971-2021). A vénia do mundo a um português
À beira de terminar o liceu, e sem saber exatamente ao certo o que seguir na faculdade ou na vida profissional, um jovem português de nome Nuno Monteiro recebeu um livro emprestado por um familiar. A Ascensão e Queda das Grandes Potências ‒ Alterações Económicas e Conflitos Militares de 1500 a 2000 ‒, de Paul Kennedy, o historiador britânico de Relações Internacionais, ajudou-o a tomar essa decisão. Não a escolher um futuro, mas a vislumbrar um gosto.
Originário de uma família modesta e discreta, Monteiro matriculou-se na licenciatura de Ciência Política da Universidade do Minho e seguiu para o mestrado de Estudos Políticos na Universidade Católica. Na adolescência, esteve próximo da Juventude Socialista, mas o seu percurso enquanto homem público foi feito com a independência de um espírito livre, ainda que preocupado incessantemente com o seu país e atento, com a mesma intensidade, à realidade política nacional.
Nas três décadas que separam a chegada de A Ascensão e Queda das Grandes Potências à sua secretária e o seu precoce desaparecimento com somente meio século de vida, Nuno Monteiro concretizou um percurso vertiginoso.
De jovem português a professor associado em Yale, de admirador de Paul Kennedy a inquilino do mesmo prestigiado Instituto de Estudos da Segurança dessa instituição, Monteiro publicou e ensinou incansavelmente nas várias faculdades que integrou nos Estados Unidos da América. Do doutoramento em Chicago, onde passou de uma tese em teoria política para a paixão por relações internacionais, dedicada ao realismo. Desse doutoramento para a publicação integral da sua tese pela Cambridge University Press, o contributo do português para a disciplina tornou-se ‒ e é hoje ‒ incontornável na comunidade académica global.
Nas palavras de Pedro Magalhães, cientista político português, "não há nenhum dos gigantes das Relações Internacionais de hoje que não tenha lido e discutido a obra do Nuno", intitulada Teoria da Política Unipolar, dedicado à sua mãe, Odete da Piedade. "Nenhum outro português teve na Ciência Política o impacto que ele teve", acrescenta, em conclusão. De "um voluntarismo e simpatia extraordinários", Magalhães recorda também o seu papel como inspirador do projeto Global Portuguese Scientists, na Fundação Francisco Manuel dos Santos, que visava precisamente estabelecer uma rede entre académicos nacionais pelo mundo fora.
Seu contemporâneo, amigo e professor universitário da mesma área, Bruno Cardoso Reis eleva o lado despretensioso de Monteiro, assim como o facto de ter sido pioneiro no desenvolvimento de uma carreira de destaque no estrangeiro, "quando não era nada óbvio" que tal acontecesse ou fosse possível. Foi para o estrangeiro, mas não se tornou um estrangeirado. "Tinha uma preocupação constante com o que se passava e fazia em Portugal", tanto na academia como na governação. "Falava com o mesmo entusiasmo da conversa com um taxista na Índia e do debate com um professor de Chicago".
Miguel Monjardino, colunista de política internacional há mais de dez anos, também o conheceu e reforça essa ligação ao país mantida por Monteiro, que se casou e foi pai já nos Estados Unidos. "Não temos nem vamos ter durante muito tempo alguém ao nível nele. No percurso, nas publicações, na capacidade de trabalho. Era inexcedível". De tal forma que os apontamentos de Monteiro para as provas de pré-doutoramento em Chicago são ainda célebres na universidade e trocadas em abundância entre os estudantes. "Nuno"s notes", chamam-lhes.
A sua ligação aos alunos e orientandos é tal que as redes sociais se encheram de tributos de todo o mundo. Gregos, turcos, australianos, ingleses. Todos, de uma forma ou de outra, chocados com o seu falecimento e gratos pela sua amizade. Susan Hyde, conhecida professora de Berkeley, publicou uma fotografia com o filho ao colo do português. "Maior do que a vida, já o consigo ouvir a fazer piadas com o que estamos a escrever sobre ele". Raquel Vaz-Pinto, do IPRI, recorda igualmente o esforço que teve de fazer, na última noite eleitoral americana, para não se desfazer a rir com o humor de Nuno Monteiro. Tiago Moreira de Sá, do mesmo instituto, aponta não apenas ao seu "elevado nível intelectual", como às suas capacidades de comunicação e oratória.
A sua graça, como contador de histórias, é relatada por quase todos os escutados por esta coluna. Na sua página pessoal, por exemplo, a secção de conselhos para evitar a preguiça durante o trabalho continua a ter uma só frase: "Em desenvolvimento".
Como é que um homem que se intrometeu entre gigantes e se fez também gigante permaneceu quase anónimo para a maioria dos portugueses é uma questão dolorosa. "Uma grande cabeça que o país mediático misteriosamente ignorou", vaticina Nuno Garoupa, também professor universitário nos EUA. Mas a sua memória ficará para lá disso.
Colunista