Nuno Mangas: "Mais de 70 mil  micro e PME foram apoiadas por fundos"

Presidente do COMPETE2020 explica o impacto dos programas criados para fazer face aos efeitos da pandemia. Garante que o REACT-EU foi fundamental para sobrevivência das empresas. Do que ainda vem, realça o apoio à conectividade de mais de um milhão de computadores e reforço para bares e discotecas no âmbito do APOIAR.
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Em que momento está Portugal no que toca ao programa REACT-EU e quais são os cinco grandes pilares em que se enquadra?

O REACT-EU foi promovido pela União Europeia e visava uma ação mais imediata, ou seja, enfrentar e ajudar a enfrentar a crise pandémica. Por isso, as medidas que resultaram do REACT-EU - em particular em Portugal -, tiveram um grande impacto no terreno em 2021 e agora em 2022. Sobretudo, em 2021, tivemos um foco muito grande porque era, precisamente, para ajudar a enfrentar e minorar aquilo que era o impacto da covid-19 na nossa atividade enquanto país e sociedade. Nesse âmbito, o programa estruturou-se em cinco grandes áreas: uma primeira área de apoio à sobrevivência e resiliência da atividade empresarial - e aqui nesta componente temos metade da ação do REACT-EU

E as restantes?
Tivemos uma muito relacionada com a componente da atividade empresarial, decisiva para esta mesma atividade: o apoio à resiliência do sistema de saúde. Aqui com um foco muito grande na vacinação, em que Portugal foi claramente um bom exemplo na administração de vacinas, o que ajudou muito ao primeiro eixo, ou seja, à questão da resiliência das empresas e da atividade económica. Depois, temos uma terceira área - essa diria já de preparação de saída da pandemia - de apoio às alterações climáticas e à transição climática. O quarto e o quinto eixos têm aspetos mais sociais. Ou seja, o quarto está ligado a tudo o que são medidas de emprego, criação de novos empregos e também estágios, visando populações mais desfavorecidas e desemprego de longa duração. E o quinto componente, muitíssimo importante no contexto pandémico, tem que ver com a recuperação de aprendizagens. Para isto, houve um apoio muito grande durante o ano letivo de 2020-2021 para a recuperação de aprendizagens, desde o ensino básico ao ensino secundário, envolvendo mais de 1 milhão e cem mil estudantes. São estes os cinco grandes temas, mas é evidente que os dois primeiros - e sobretudo a questão da vacinação - foram estruturantes para permitir que os outros acontecessem. No essencial, é disto que estamos a falar.

Estamos a falar de que valores alocados ao REACT-EU e com aplicabilidade até quando?

Globalmente e no caso do continente, a verba que está no COMPETE 2020 e que é gerida pelo mesmo é pouco mais de 1,9 mil milhões de euros. Deste valor, em 2021 estávamos a falar de 1434 milhões de euros. E as verbas REACT-EU foram alocadas em dois momentos: um primeiro em 2021, com a aprovação em junho da primeira verba que referi - 1434 milhões -, e em 2022 vamos ter um reforço de 490 milhões de euros, o que totaliza 1924 milhões de euros. Para ter uma ideia, em relação ao atual programa operacional de competitividade e internacionalização, representa quase mais 50% de dotação que o programa tinha para sete anos. E estamos a falar de uma escala temporal que vai de 2021 a 2023, portanto, um horizonte de três anos, sensivelmente. Isto também para termos uma noção do volume financeiro quando o comparamos com o que era o COMPETE 2020 para o período 2014-2020.

Quando analisa estas cinco áreas, considera que têm responsabilidade na forma como Portugal e também a União Europeia foram retomando através destes apoios?
Penso que sim. A questão da vacinação, claramente, mas falando mais naquilo que é o core da nossa atividade enquanto COMPETE 2020, o apoio à atividade empresarial, em particular às micro, pequenas e médias empresas. Um programa como o APOIAR foi decisivo, um programa como o Garantir Cultura também foi determinante para que pudéssemos manter a atividade económica, especialmente nos setores mais afetados.

Ainda assim, muitas microempresas e PME vêm-se queixando que os fundos europeus que ficam disponíveis estão sempre direcionados para as grandes empresas e que as microempresas e as PME não são tão tidas em conta nesses planos. Como é que o REACT-EU tentou compensar isso e criar um elemento de coesão - se é que ele existiu?
O REACT-EU veio precisamente com esse foco, ou seja, só podia financiar essas empresas. Houve também financiamento para as grandes, mas esse era nacional e com verbas do Orçamento do Estado. O REACT-EU, verbas europeias, teve esse cuidado porque percebeu-se que neste contexto pandémico, essas empresas eram as que estavam mais debilitadas. Empresas que têm três ou quatro trabalhadores e que, muitas vezes, tiveram de fechar de um dia para o outro e sem qualquer tipo de apoio. Foi este apoio ao fundo de maneio que permitiu que continuassem, mesmo sem atividade, a ter meios para retomarem mais tarde. Isto foi decisivo e apoiou dezenas de milhares de empresas.

Que outros exemplos concretos, além do apoio ao fundo de maneio, vieram do REACT-EU nesses apoios diretos?
O Garantir Cultura, mas aí foi numa perspetiva de ajudar a gerar atividade e, portanto, com base em projetos culturais e na apresentação de propostas de desenvolvimento de projetos culturais. Foi em função da atividade, é outro exemplo. Mas no caso do REACT-EU foram sobretudo estas duas partes. E depois há uma outra componente de apoio à inovação produtiva, ou seja, ao investimento produtivo, e essa vem já numa fase seguinte, no apoio à retoma. É aquilo a que chamamos inovação verde, para responder aos desafios das alterações climáticas.

E quantas dessas microempresas e PME já terão sido apoiadas em Portugal?
Cerca de 70 mil, mas provavelmente mais, estamos nessa ordem de grandeza.

Houve alguma região do país que tenha procurado mais o apoio ou foi transversal?
Esse foi um aspeto muito interessante, foi transversal a todo o país porque foi uma medida que se aplicou às cinco regiões NUT II e, naturalmente, teve que ver com a densidade empresarial de cada uma destas regiões. Lisboa e norte, com dimensões muito semelhantes em termos de número de empresas, depois o centro, o Algarve e o Alentejo. O Algarve muito pela componente turística, face ao foco que a atividade empresarial na área do turismo tem nesta região.

Houve algum setor que se tenha destacado e precisado de mais apoio? Talvez o turismo?
Não tenho números exatos e não lhe sei dizer uma percentagem, mas o turismo seguramente, devido ao período em que essas empresas tiveram de estar encerradas e pelas limitações que tinham. Houve atividades que estiveram mesmo fechadas, como bares e discotecas, e provavelmente terá sido esse setor que teve o maior foco.

Há pouco referiu que o REACT-EU se estende até 2023 e depois terminará. Tendo em conta que a pandemia se tem vindo a arrastar, tem indicação de que o programa poderá ser estendido, uma vez que a economia também está a recuperar mais lentamente do que se esperava?
Em particular, o programa APOIAR tem vindo a ser estendido no tempo, com uma modalidade de novos apoios. A última alteração foi a 23 de dezembro, com um apoio muito específico para aqueles setores que tiveram de encerrar no período do Natal e início do ano. Portanto, o APOIAR teve esta característica e o REACT-EU, de uma forma geral, tem esta capacidade de se ir adaptando porque estamos perante uma pandemia - foi impossível antecipar o que ia acontecer e somos surpreendidos sistematicamente por novas vagas, novas variantes e novas implicações naquilo que é a nossa atividade e o nosso dia-a-dia. O REACT-EU tem tido esta capacidade de ser ir ajustando a esta realidade, seja a nível empresarial seja a nível do apoio às aprendizagens, temos procurado, com a verba disponível, seguir e ajustar o programa a estas novas realidades.

Acha que pode haver necessidade de estender o programa além do prazo que está definido?
Neste momento não o antecipo, com o conhecimento que temos, mas é tudo muito relativo. O que estamos a ver, de alguma forma, uma diminuição do atual ciclo pandémico, ou seja, desta vaga, e vemos um aligeirar das restrições. Com este contexto, não antecipo, mas não é que possamos afirmar com toda a segurança que não possa haver uma nova fase, uma nova variante ou uma nova vaga, portanto, é tudo muito incerto. Mas em termos daquilo que é a execução das verbas REACT-EU, estas já estão hoje muito comprometidas e alocadas.

Do ponto de vista do valor de 1,9 mil milhões de euros, quanto é que já está realmente executado?

Talvez começássemos por falar da verba de 2021 - 1,4 mil milhões de euros -, porque seria essa que poderíamos utilizar e dessa, 85% já está executada. Este programa teve essa característica que permitiu uma execução muito rápida, também porque era muito orientado para um conjunto de medidas que procurámos que fossem o mais simples possíveis, para que se chegasse ao terreno, uma vez que aqui o tempo era um fator muito importante.

Ainda assim, os empresários foram-se queixando da burocracia e de alguma lentidão em relação aos fundos. O que é que terá falhado em relação ao processo?
Em relação a isso diria duas coisas: diria que a esmagadora maioria, em medidas como o APOIAR.PT, teve uma evolução muito rápida. Lançámos a medida e passados 15 dias ou três semanas já estávamos a fazer os pagamentos. Agora, quando há algo que não está alinhado, as coisas correm menos bem.

Por exemplo?
Como sabe, uma das coisas que era preciso verificar era uma quebra de 25% do volume de negócios, e nem sempre isso se verifica automaticamente. E quando isto não se verifica automaticamente, obriga a que vejamos um a um e perante um horizonte de 70 mil, se 1% não se verificar automaticamente, são 700 processos que têm de se ver um a um. E nesses casos é evidente que vai demorar mais tempo, mas de forma geral, acho que o programa correu muito bem e permitiu, em poucos meses, pagar mais de mil milhões de euros, o que é uma verba muitíssimo significativa. E isto só foi possível porque, efetivamente, foi um programa com implementação e execução muito rápidas. É evidente que no meio de 70 mil há sempre alguns processos que não são lineares, não são automáticos e que, portanto, demoram mais tempo. Daí algumas queixas que possam ter surgido. Mas globalmente o balanço é muito positivo.

O que é que antevê para o que é o pedido de ajuda para este arranque de ano e daquilo que é a execução para este programa?

O que estamos a fazer é atuar muito na vertente da transição climática e estão, neste momento, um conjunto de avisos abertos para candidaturas das mais diferentes entidades. Vamos também colocar no terreno, no âmbito do eixo de apoio às aprendizagens, o apoio à conectividade no âmbito do programa dos computadores nas escolas e, portanto, vamos apoiar a conectividade de mais de um milhão de computadores. Também no início deste ano, fizemos o reforço para os bares e discotecas no âmbito do programa APOIAR, portanto, temos um conjunto de medidas que estão em curso. O programa está a rolar e a avançar e acho que tem sido um apoio muito significativo para muitas empresas.

Do ponto de vista da cultura, continuam também muitos apoios a ser executados este ano?
Os projetos estão em execução e em conclusão.

Há pouco falou em 70 mil microempresas e PME que foram apoiadas através do REACT-EU. Tem uma estimativa de quantas perdas de postos de trabalho terão sido evitadas com este programa?

Posso dizer-lhe que fizemos esse levantamento agora durante o mês de janeiro e foi um dado muitíssimo interessante. Apoiámos 250 mil postos de trabalho, um número muitíssimo relevante e até acima do que tínhamos antecipado.

Quanto acima?
Uns 5% acima. Outro dado muito interessante - e efetivamente o programa resultou, porque das empresas apoiadas, a generalidade manteve atividade: 98% das empresas estavam em atividade no final de 2021.

Acha que se evitaram muitos fechos e falências de empresas com estes fundos?
Penso que sim. Daquilo que fomos sentido, daquilo que fomos vendo, em muitos casos havia determinados meses em que era a única entrada de dinheiro que as empresas tinham. Não terá sido o único, houve outras medidas, mas acho que o REACT-EU e estas medidas de apoio foram muitíssimo relevantes para que a atividade económica pudesse retomar e ter condições para o fazer. E, felizmente, os dados do crescimento e do emprego são públicos de alguma maneira também confirmam isto.

A Comissão Europeia prevê um crescimento de 5,5%, mas no ano seguinte serão apenas 2%, portanto, há aqui um decréscimo das previsões. Como é que se explica isto?
Não sei responder a essa questão.

Viu com surpresa essas previsões ou era isso que esperava?
As previsões têm mudado muito e se há algo que temos visto nos últimos dois anos, é que já houve previsões para quase tudo. Penso que o importante é fazermos o nosso trabalho, colocarmos estes fundos europeus do REACT-EU ao dispor da nossa economia e da nossa sociedade. Além, claro, de desejar que o contexto pandémico termine ou, pelo menos, estabilize. Se tivermos isso acho que teremos condições para crescer e dinamizar muito a nossa economia. As previsões são importantes, mas acho que neste momento o nosso foco deve ser muito este.

Elisa Ferreira, há cerca de um ano, quando a entrevistei, disse que já havia por aí muitas "bazuquinhas". Esta será uma delas dentro dos grandes fundos da União Europeia que vêm ajudar a sair da crise?
Acho que sim, uma muito focada, quer no tempo quer aonde se dirigia. Sobretudo, veio no momento certo porque permitiu chegar muito rapidamente ao tecido empresarial e acho que isso foi o aspeto mais relevante. Sobretudo nos apoios às empresas e nos apoios aos sistemas de saúde, foi muito relevante ter sido rápido. Diria que foi fundamental para sermos bem-sucedidos. Porque se estes apoios tivessem chegado um ano depois ou seis meses depois, não teriam tido o mesmo efeito. Portanto, o sentido da urgência estava muito presente em todos nós, no COMPETE, no IAPMEI, no Turismo de Portugal - que, na prática, também foram depois nossos parceiros na concretização dessas medidas.

Dentro dos cinco pilares, o segundo de que falou é o apoio à resiliência do sistema de saúde através da vacinação. Hoje em dia, a vacinação já faz parte do nosso dia-a-dia, mas quando surgiu a primeira foi uma lufada de ar fresco também para a economia. Como é que o REACT-EU atua neste pilar e como é que esta operação acabou por ter um contágio positivo entre as empresas?
O que fizemos foi apoiar as instituições do Ministério da Saúde na compra das vacinas.

Portanto, houve fundos usados para compra de vacinas?
Exato. Mas apoiámos na compra das vacinas, na compra de dispositivos de armazenamento, dentro daquilo que são os materiais necessários para o ministrar das vacinas e também alguns medicamentos. Mas, na prática, o que fizemos foi - através de uma candidatura que esses organismos fizeram -, dar esses apoios aos organismos do Ministério da Saúde, nomeadamente à Direção-Geral da Saúde.

Deste bolo de 1,4 mil milhões, relativo a 2021, que fatia foi para a área da saúde?
Em torno dos 190 a 200 milhões.

E considera que teve um contágio positivo no mundo empresarial, apesar de ser um tema de saúde?
Sim. Se calhar a palavra contágio agora não é a mais positiva, é melhor falarmos em impacto, mas é evidente que a velocidade e a percentagem de vacinação teve um efeito importante na economia. Permitiu que houvesse muito menos pessoas infetadas, permitiu que, nalguns casos, as pessoas recuperassem muito mais rapidamente e tivessem menos implicações. É nesse sentido que a questão da vacinação e que as taxas de vacinação que tivemos com a primeira e a segunda dose são importantes. E dizer que o nosso apoio foi sobretudo à primeira e à segunda dose, porque na altura ainda não se falava em terceira dose.

E agora havendo uma terceira dose o REACT-EU é mais uma vez chamado a alocar uma fatia a esta área?
Um pouco, mas o nosso foco foi, sobretudo, a primeira e a segunda. Mas foi essa vacinação que permitiu que as atividades económicas, nesta última vaga, quase não tivessem de fechar ou que o período de encerramento fosse menor, assim como as restrições. Ou seja, a vacinação permitiu também a atividade empresarial, económica, social e o consumo interno. Sob esse ponto de vista, foi basilar para que pudéssemos ter condições para avançar no resto.

O que é que para si será um sucesso quando chegarmos ao fim do REACT-EU? Que país gostaria de ter e apresentar quando chegarmos ao fim da execução?
Sobretudo, gostava - e penso que o REACT-EU era muito para isso -, que o país estivesse preparado para a seguir poder responder aos desafios que se colocam, nomeadamente, no investimento comunitário que vem pelo Portugal 2030 e pelo PRR. O REACT-EU foi uma ação de criar lastro para que depois possamos colocar em cima disso outras medidas que são mais estruturais ao nível do investimento, ao nível das reformas, como é o caso do PRR e do PT2030.

Para quem sabe menos deste tema dos fundos, como é que o REACT-EU se articula com o PRR, com a dita bazuca?
O REACT-EU está antes, são medidas que vêm antes do próprio PRR.

Há algum atraso na aplicação destes fundos por causa de uma tomada de posse tardia?
Não, neste caso não. A dinâmica e a programação que estavam foram as que se mantiveram e, portanto, não há implicações a esse nível.

Não interfere no dia-a-dia do COMPETE e da alocação destes fundos?
Ao nível destes fundos não. É evidente que, ao nível do dia-a-dia de algumas organizações, há sempre algum impacto, nomeadamente resultante do regime de duodécimos. Mas neste caso em concreto da aplicação do REACT-EU e destas verbas, sendo verbas europeias, aqui não tem implicações.

Fala com muita gente e com muitos empresários. Daquilo que ouve dos empresários, qual é a sua opinião sobre a expectativa que há em relação à maioria absoluta? É um desafio, uma oportunidade, como é que Nuno Mangas vê isto e o que é que ouve dos empresários?
Penso que será claramente uma oportunidade, em relação a isso, acho que não há grandes dúvidas. Em relação aos empresários, confesso que estamos num momento em que o contacto é mais reduzido. No entanto, penso que há uma expectativa positiva de que se consiga, com este contexto de maioria absoluta, especialmente tendo em conta a chegada do novo PT2030, o facto de estarmos a colocar neste momento um programa com a magnitude do PRR e de termos um contexto internacional agora com algumas nuvens, mas antes disso era um contexto positivo... Acho que há uma expectativa elevada de que se consigam implementar algumas reformas e dar um salto naquilo que é o nosso desenvolvimento enquanto país e sociedade.

O PRR passará também pelo COMPETE, ficará uma parte também sob a sua alçada, como é que vai funcionar?
Não, o PRR tem uma estrutura de missão própria para gerir e um conjunto de organismos intermediários. Nós estamos no âmbito daquilo que são as medidas geridas pelo Ministério da Economia, estamos envolvidos num conjunto de medidas, mas não temos gestão direta. Estamos nos grupos de trabalho, nomeadamente das Agendas Mobilizadoras, mas não diretamente.

Também a propósito da entrevista com Elisa Ferreira, que dizia que para o PRR haverá tolerância zero no que toca à aplicação dos fundos ou a eventuais fraudes. Acredita que se aprendeu essa lição ao longo dos anos? Qual é a sua expectativa sobre a aplicação do PRR?
Sei que tem passado muito essa imagem, mas Portugal, em termos da aplicação dos fundos comunitários, é claramente um bom exemplo no contexto europeu. Por vezes cria-se uma imagem que não corresponde ao que sentimos na realidade, nós que estamos por dentro, e por vezes, ficamos surpreendidos com isto. Mas em relação a dinheiro penso que todos concordamos que tem de ser bem utilizado e de forma rigorosa e transparente. Acho que se estão a criar as condições para que isso aconteça. Agora, temos de aliar essa questão à questão de conseguirmos fazer esta execução com rapidez, celeridade, com burocracia q.b. - porque há sempre alguma, quer queiramos quer não. É inevitável, resulta da própria orgânica dos fundos comunitários, mas acho que tivemos um mecanismo de aprendizagem ao longo das últimas décadas, acho que temos estruturas já muito experientes. Agora é colocar as medidas no terreno e executá-las bem.

No PRR temos clima, digital, coesão territorial e social. Que país espera depois da aplicação do PRR?
Não sou, se calhar, a pessoa mais indicada, mas acho que o PRR trouxe um conjunto de oportunidades para fazer investimentos e reformas como o país não tinha já há alguns anos. Sob esse ponto de vista, acho que desejamos que o Portugal pós-PRR seja um país mais moderno, em que os desafios do digital ou do clima têm de estar muito presentes e muito enraizados, seja na nossa atividade empresarial ou na nossa atividade enquanto cidadãos. Sinto que houve aqui um acelerar destas preocupações, acho que agora temos de ser mais concretizadores nesta matéria. Em relação ao território, penso que temos um desafio enorme, que é o da demografia e uma demografia com equilíbrio no país.

E o que há a fazer?
Temos de conseguir que o país não seja só esta faixa litoral que vai de Sines ao Minho, temos de conseguir este desenvolvimento integrado e coeso do país. Para isso, temos de ter a capacidade de colocar atividade empresarial nestas regiões e esse desafio não se cumpre por decreto. A atividade empresarial é privada, temos de conseguir criar os estímulos em termos de políticas públicas, parece-me a mim, para que estas empresas se instalem nestes territórios e, com isso, permitir que a fixação de população se faça. Acho que muitos destes territórios têm hoje uma base muito importante, por exemplo, ao nível do ensino superior e da ciência, o que não acontecia há 15 ou 20 anos. Hoje temos uma rede de politécnicos e de universidades que são âncoras muitíssimo importantes. Penso que agora temos de associar a isso um conjunto de atividades empresariais diferenciadas que permitam que se gere emprego, emprego mais qualificado, e que se fixe populações.

Estamos numa fase em que todos os empresários se queixam da falta de talento e da dificuldade que há em reter esse talento em Portugal. Essa estratégia de chegar a todo o país e desenvolver regiões seria uma forma de reter talento?
Diria que temos dois desafios: a capacidade de reter talento, ou seja, criar oportunidades para os jovens que estudaram e que vivem no nosso país, e temos um outro desafio que é atrair os jovens e população de outros países, sobretudo qualificados. E aqui, mais uma vez, as instituições de ensino superior e as instituições do saber podem ter um papel importantíssimo na atração de jovens e mesmo de menos jovens para o nosso território. Nós temos esta dicotomia entre litoral e interior, mas para um país como o Brasil, por exemplo, uma distância de 400km ou 500km não é nada. Isto para dizer que a atração é, se calhar, mais fácil para jovens e famílias para os chamados territórios de baixa densidade do que para as metrópoles, onde temos um custo de vida superior e tudo acaba por ser mais difícil, pelo menos numa fase inicial.

E como se faz?
Acho que temos de conjugar medidas de fixação dos nossos jovens com a atração de alguns imigrantes, procurando aí ter uma política muito direcionada. Por isso é que um dos eixos estratégicos para o Portugal2030, está precisamente relacionada com a demografia, porque é claramente um aspeto muitíssimo relevante quando olhamos para o país nos próximos 20, 30, 40 anos.

Muitas vezes ouvimos os vários rankings internacionais sobre a produtividade em Portugal, sobre a competitividade do país. Que mensagem seria importante deixar à cerca dessa competitividade e daquilo que ainda é preciso fazer, além das sugestões que aqui deixou?
Vamos trabalhar isso durante o próximo quadro financeiro, ou seja, o PT2030 e no sucessor do COMPETE 2020, para o COMPETE 2030 - não sei se a designação será exatamente essa -, mas um dos desafios é precisamente a competitividade e a produtividade. Uma das áreas onde vamos ter um investimento muito importante tem que ver com as pessoas, a qualificação das pessoas, seja nos níveis de menor qualificação seja ao nível de maior qualificação. Precisamos, em primeiro lugar, de ter uma população ativa ainda mais qualificada e educada e esse é um investimento que vamos procurar fazer ao nível dos ativos. Depois, apoiar as nossas empresas para que tenham produtos e serviços mais diferenciados, com maior presença nas cadeias de valor. Esse é um desafio que temos de intensificar, temos vindo a fazê-lo ao longo deste atual programa, mas teremos de intensificar. É evidente que isto não resulta de uma ou duas medidas, acaba por ser um conjunto de medidas que depois poderão permitir que sejamos mais competitivos, sobretudo num contexto de exigência, num contexto de um mercado evoluído em que temos produtos e serviços com mais valor acrescentado.

É esse o grande desafio?
Acho que esse é o grande desafio, ou seja, crescer nas cadeias de valor, crescer no valor daquilo que produzimos, naquilo que incorporamos no que produzimos, procurando incorporar mais conhecimento e mais saber. Se o fizermos, seguramente conseguiremos crescer mais.

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