Nuno Lopes o rosto de um pai como metáfora para a solidão

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A criança que nunca se vê, e que desapareceu num dia como os outros sem o espectador conhecer os pormenores, é a personagem principal de Alice e tudo gira em torno das suas referências, hábitos e imagens. Apesar disso, da primeira à última cena desta primeira obra de Marco Martins, quem aparece no ecrã e se expõe é o seu contido pai, ou melhor, o actor Nuno Lopes que, pela primeira vez, consegue o protagonismo no cinema.

"Foi uma personagem difícil e houve duas coisas a criar uma era a necessidade de mostrar um constante interesse por um homem que não mostra a dor, não a deita cá para fora; outra foi não criar uma persona que o espectador percebesse inteiramente como ele era no dia-a-dia. Aqui o interessante era mostrar o pai da Alice, pura e simplesmente", definiu ao DN.

Na história, surge com um ar mais velho, barba comprida, olheiras carregadas e vizinho de um insuportável silêncio. Ele é a metáfora para a solidão, "a doença do século", e a própria cidade de Lisboa é representada como uma grande metrópole, "um espaço de passagem". Talvez esse tema universal justifique o interesse que a longa-metragem tem despertado lá fora "Estou muito orgulhoso do filme porque é uma obra que eu, como espectador, gostaria de ir ver independentemente de ser português", diz Nuno Lopes, para rematar que "o que se passa no ecrã ultrapassa a personagem e o pretendido pelo realizador", tornando-se o filme "em objecto vivo".

Depois de ter participado em obras como Quaresma ou António, Um Rapaz de Lisboa, além de outros projectos no teatro e televisão, conserva a preparação obsessiva como método de trabalho. Para Alice, teve longas conversas com o realizador, falou com Filomena, mãe da criança desaparecida Rui Pedro, e viu compulsivamente os filmes Paris, Texas, de Wim Wenders, ou O Emprego do Tempo, de Laurent Cantet. Afinal, a profissão tem a sua duplicidade "Quando entras num trabalho, mexes em coisas que se calhar não querias mexer porque há uma exposição constante que magoa. Mas magoa com prazer."

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