Nuno Júdice: cinquenta anos de poesia
Por ocasião do 50.º aniversário do aparecimento, em 1972, do seu primeiro livro, A noção do poema, o grande poeta português Nuno Júdice acaba de publicar, na prestigiada editora lisboeta Dom Quixote, uma antologia que, de uma perspetiva própria e irrepetível, reúne os poemas mais significativos de toda a sua trajetória criativa.
Nuno Júdice, nascido no Algarve em 1949, é filólogo românico e professor de teoria da literatura e de literatura portuguesa na Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou em 1989. Foi também, durante cinco anos e até 2004, conselheiro cultural e diretor do Instituto Camões em Paris. Durante a sua longa carreira dirigiu publicações de prestígio, como a revista Tabacaria, da Casa Fernando Pessoa, ou o Colóquio-Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian, ambas em Lisboa. Ao longo da sua carreira, recebeu inúmeros prémios, entre os quais de destacam o Rainha Sofia da Poesia Ibero-americana, o da Fundação Inês de Castro e o Olho Crítico Ibero-americano da Rádio Nacional da Espanha.
Para além de poeta, Nuno Júdice é também um narrador de renome, autor de inúmeros livros de contos, como O café de Lenine ou O anjo da tempestade, e até de alguns ensaios, como ABC da crítica, uma faceta que completa tanto a extraordinária riqueza de sua expressão poética quanto os aspectos mais académicos e reflexivos de toda a sua obra.
No já longínquo 1972, quando Nuno Júdice tinha apenas 23 anos, o aparecimento da sua primeira obra, também publicada pela Editora Dom Quixote, como agora a sua Antologia Pessoal, não deixou de provocar uma certa surpresa. De facto, naqueles Cadernos de Poesia tinham aparecido os poetas portugueses mais consagrados, como Alexandre O"Neill, Ruy Belo, Natália Correia ou Sophia de Mello Breyner, enquanto naquela época ninguém conhecia aquele jovem poeta. Foi endossado, sim, por múltiplas reflexões, leituras profundas dos melhores poetas e inúmeras cumplicidades com os intelectuais daqueles anos.
Desde então, mais de oitenta títulos publicados vêm confirmando ao longo dos anos que essa escolha foi acertada. Incluir Nuno Júdice junto dos poetas mais aclamados não só era justificado como absolutamente necessário.
Conta Nuno Júdice que a ideia de trazer à luz esta antologia partiu da própria editora. O telefonema dos responsáveis surpreendeu o poeta, que pensou que seriam os editores que se encarregariam de selecionar os poemas. No entanto, a primeira coisa que lhe disseram foi que o livro deveria ser totalmente pessoal, a partir de uma seleção feita pelo próprio autor, de modo que o título do livro, Antologia Pessoal, ganhasse o seu significado mais profundo.
A escolha de alguns poemas, que necessariamente leva ao abandono de muitos outros, responde, portanto, à vontade exclusiva do poeta. Qualquer seleção é sempre difícil, diz-nos Nuno Júdice, e pode ser arbitrária. Tem procurado alcançar um equilíbrio entre poemas que "desde o início compõem o chamado cânone poético", acrescentando outros que apareceram em publicações dispersas, em revistas ou em obras de menor difusão, em contraste com os seus livros consagrados. Desta forma, procurou "alcançar um matiz, de tal forma que alguns dos poemas fossem quase inéditos", acrescentando, por exemplo, um poema em que joga com as possibilidades e facetas que a língua portuguesa oferece dentro das suas múltiplas variedades e aceções diversas, e outro intitulado Retrato de Memória, de 2021, ainda não publicado.
Como já indicado, a Antologia começa com seis poemas resgatados do seu primeiro livro, A noção do poema, junto com outro do seu segundo livro, também publicado em 1972, intitulado O pavão sonoro. Os poemas seguintes foram retirados de obras anteriores a 1980, como Crítica doméstica dos paralelepípedos, As inumeráveis águas, O mecanismo romântico da fragmentação, Nos braços da exígua luz, e ainda A corte na ênfase.
A seleção continua ao longo das páginas com poemas publicados nos últimos 20 anos do século anterior, para finalmente completar com outros retirados de livros tão conhecidos como Teoria geral do sentimento, Cartografia das emoções ou As coisas mais simples. Uma parte importante da antologia é representada pelos poemas pertencentes ao livro O mito da Europa, publicado em 2017, com títulos tão significativos como Pequeno desvio ideológico, Sobre uma adaptação de Ovídio ou A criação do mito. A antologia culmina com os poemas selecionados de um dos seus livros mais recentes, publicado em 2020, Regresso a um cenário campestre, onde, entre muitos outros tópicos, ele trata de nos oferecer as instruções necessárias para sobreviver a uma pandemia.
A leitura desta Antologia Pessoal de Nuno Júdice permitirá ao leitor espanhol descobrir uma das vozes mais serenas da poesia portuguesa atual, sempre guiada por princípios básicos que poderiam muito bem ser resumidos nos seguintes versos de Pedro, lembrando Inês, que surgiu em 2001:
Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.
Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.
Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exatamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.
Diplomata e escritor espanhol
Artigo originalmente publicado na Revista Entreletras