O cancro rouba-lhe as forças, mas não lhe tira a determinação. "Nunca senti vontade de desistir. Faria tudo novamente e exatamente da mesma maneira", diz ao DN Dewayne Lee Johnson, conhecido desde 10 de agosto de 2018 como "o homem que venceu a Monsanto", "o jardineiro que derrubou a gigante" agroquímica em tribunal..Lee Johnson é um homem dedicado. À mulher, aos filhos, ao trabalho, às artes. Faz pinturas a óleo, desenhos a carvão, publicou dois livros - My Opinion e The Perfect Front - e tinha planos para lançar um disco de rap. Mas não foi através da pintura, da escrita ou da música que se tornou famoso. Nem tão-pouco do seu trabalho como jardineiro nas escolas em Benicia, na Califórnia, onde combatia pragas de animais e plantas. Foi o processo contra a dona do herbicida RoundUp que virou os holofotes para si..Quando enviámos algumas perguntas por e-mail ao seu advogado, tínhamos pouca esperança de obter respostas. Mas elas chegaram, e antes do deadline. A passar por mais um ciclo de quimioterapia devido a um linfoma não Hodgkin, e apesar das solicitações da imprensa que chegam de todo o lado, Lee respondeu. "Estou a levar isto dia após dia. Tenho dor. Tenho os meus altos e baixos, picos e vales", contou o primeiro queixoso a sentar os responsáveis da Monsanto no banco dos réus. Num tribunal da Califórnia, o júri considerou que a Monsanto (agora detida pela Bayer) agiu com maldade e que o herbicida RoundUp (à base de glifosato) contribuiu de forma considerável para a doença do jardineiro. Por não ter informado o homem sobre os perigos do produto, a empresa foi condenada a pagar 289 milhões de dólares (cerca de 250 milhões de euros) - um verdadeiro David contra Golias. A indemnização foi entretanto reduzida por um juiz dos EUA, em outubro, para 78 milhões, confirmando, no entanto, a fundamentação da sentença lida no verão em São Francisco. Mas a empresa continua a contestar a perigosidade do glifosato, que em março de 2015 foi classificado como "provavelmente cancerígeno" pelo Centro Internacional de Investigação do Cancro (IARC), da Organização Mundial da Saúde..Ao DN, Johnson reconhece que, por vezes, o processo é "um pouco esmagador". "Mas, ao mesmo tempo, sinto que é necessário fazê-lo", sublinha. Com o veredicto histórico contra a gigante agroquímica, reacendeu-se o debate em torno dos perigos do herbicida, o que permitiu uma maior consciencialização a nível global. "Fico feliz por fazer parte de um assunto tão importante - um assunto sério, que vem do solo para fora - e contribuir para pôr as pessoas a comer de forma mais saudável, descobrindo de onde vem a comida e sabendo o que estão a comer", diz..Ao contrário do que se possa pensar, Dewayne não tem uma conta bancária bem recheada. Num texto publicado na Time, em novembro, diz que os recursos podem arrastar-se além da sua expectativa de vida, que no ano passado os médicos estimavam ser de dois anos. Não tem razões para celebrar. Não consegue ir de férias, nem sequer pagar as contas da casa. Para suportar as despesas do dia-a-dia, a mulher, Araceli, arranjou dois empregos: um numa escola e outro numa casa de repouso. Vivem a "vida do dinheiro-fantasma". No entanto, apesar de ainda não ter recebido a indemnização, Lee conseguiu um feito histórico, e não equaciona desistir. "Sei que não vou melhorar, mas vou lutar até ao último suspiro", prometeu, em agosto..Enquanto responsável por combater pragas nas escolas, as ervas daninhas eram um dos seus alvos. Para as eliminar, usava regularmente RoundUp e o RangerPro, dois famosos produtos da Monsanto que contêm glifosato. Tinha um colega que não queria usar equipamento de proteção, mas insistia para que o vestisse. Era cuidadoso, mas isso não o impediu de, acidentalmente, derramar o produto sobre si. Após dois acidentes, detetou manchas estranhas no corpo todo: rosto, mãos, pernas, braços..Lee é um homem alto e bem constituído, que envelheceu bastante nos últimos anos. Segundo a mulher, era um homem "sexy" e "feliz" quando, em 2014, aos 42 anos, lhe foi diagnosticado um tumor incurável no sistema linfático em estado avançado. Até então, o homem, pai de dois rapazes, de 10 e 13 anos, nunca tinha ouvido falar dos perigos do glifosato ou de qualquer polémica sobre a Monsanto. Mas veio a descobrir que a sua situação de saúde estaria associada ao herbicida, que usava desde 2012. "Se soubesse do perigo, nunca teria pulverizado a RangerPro em escolas ou noutro qualquer lugar", afirmou. Johnson e Araceli conheceram-se numa aula de pré-álgebra há cerca de 15 anos. Apaixonaram-se, casaram-se e foram pais duas vezes. Lee costumava ajudar nas tarefas domésticas, como cozinhar e limpar, mas a doença já não permite que o faça. "Os meus dias são totalmente diferentes. Não são nada fáceis. Começo por me ver ao espelho, com todos os problemas que tenho na minha pele. O meu processo diário não é simples. Tenho de lutar constantemente para passar cada dia", confessou ao DN..Haverá quem pense que Lee é um simples jardineiro que não sabia o que andava a fazer. "Mas uma pessoa que começa a ler o seu percurso fica surpreendida. Eu fiquei", confessa Margarida Silva, coordenadora da Plataforma Transgénicos Fora. Seguidora atenta de todo o processo, a bióloga diz que tem "o maior respeito" pelo jardineiro. "É um homem extremamente bem articulado, tem as ideias muito bem organizadas na cabeça, sabia o que andava a fazer e tomava o máximo de precauções. As vezes em que ficou ensopado com o herbicida foram acidentes que não controlou", frisa a professora da Universidade Católica Portuguesa..Na opinião de Margarida Silva, Lee Johnson "disponibilizou-se a beber o cálice até à última gota com um grande sentido de abnegação". Deu voz aos que não a tinham. "É uma pessoa de bom fundo, que sabia no que se estava a meter. Achou que para a vida e o sofrimento dele valerem a pena tinha de levar isto até ao fim", sem medo das consequências, já que "ao expor-se a vida dele ia ser esquadrinhada, os filhos começaram a ser importunados". "Senti que ele tinha uma grande paz interior, que tinha feito as pazes com a doença e as circunstâncias adversas da vida dele. Queria fazer alguma coisa de útil da doença, que não fosse apenas dor e perda. Queria contribuir para a sociedade, tornando-se a vítima que é imolada, primeiro pelo glifosato, depois pelo sistema judicial", sublinha a bióloga..Para Alexandra Azevedo, da Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, a conquista de Dewayne Lee Johnson "é histórica, porque vai ter certamente uma jurisprudência que poderá influenciar todo o rumo daqui para a frente em relação à empresa e ao próprio glifosato". Só nos EUA, há mais de oito mil processos em tribunal contra a Monsanto. "Além da jurisprudência a nível americano, é de realçar que poderá influenciar ações judiciais noutros países, onde também existem processos." A sua vontade, confessa, era que Lee pudesse "sobreviver longos anos", tornando-se "ativista pela mudança". Essa é também a vontade do jardineiro, que gostava de viver mais anos para abrir uma fundação e dedicar-se com mais afinco à música e à arte..Houve quem dissesse que Dewayne queria um pedido de desculpas, mas garante que não é esse o seu desejo. "Não me faria sentir melhor - e certamente não curaria o meu cancro", escreveu na Time. Quer, no entanto, que as pessoas saibam ao que estão expostas, para que possam fazer escolhas mais informadas. E tem uma missão bem definida: que todas as escolas parem de usar glifosato, primeiro na Califórnia, depois no resto do país. Não esconde que houve alguma revolta no processo. Ligou para a empresa, em novembro de 2014, à procura de informações sobre o que lhe estava a acontecer. Ouviram-no, mas nunca lhe devolveram a chamada. Diz que seguia atentamente as instruções do rótulo - como seguia as receitas quando trabalhava num restaurante -, mas nada indicava que o produto poderia causar cancro..Qual o aviso que gostaria de deixar aos utilizadores de glifosato? "Não o coloquem na pele. Esta é uma substância química que pode matar. Cubram a pele, não o inalem e tenham cuidado", disse ao DN.