"Numa noite tive seis paragens cardíacas"
Em 2015 disse que ia deixar a vice-presidência do Sporting em 2017. Vai estar na inauguração do Pavilhão João Rocha como dirigente?
Estive gravemente doente em dezembro do ano passado, estive mais para lá do que para cá. Só numa noite tive seis paragens cardíacas - uma delas de quase 40 minutos. A minha filha chegou a dizer para não me reanimarem porque já não valeria a pena porque provavelmente ficaria com problemas. O que aconteceu foi um milagre, não só escapei como não fiquei com mazelas devido ao trabalho inexcedível do Hospital de Santa Cruz. Salvaram-me a vida. Eu tenho a sensação de que vivo um período extra de vida. E isso fez mudar a minha filosofia de vida. Quando melhorei, em fevereiro, pedi formalmente ao presidente para sair imediatamente do clube, porque me sentia diminuído. Mas ele não quis, disse que estava fora de causa. Nesta altura ainda não posso dizer que trabalho como trabalhava, a 100%, em 2015. Hoje sou mais um mentor do que um executor. Eu e Rui Caeiro, por quem tenho grande apreço, fazemos uma dupla que funciona, mas ele é mais executor do que eu.
Então ainda não tomou uma decisão?
Já informei o presidente, mais do que uma vez, que seria bom para o Sporting, e se calhar também para mim, que no fim do mandato eu deixava o clube. Porque não posso dar muito mais do que estou a dar. E a resposta dele é que nem vai pensar nisso. Quer que eu fique.
Mas a decisão é sempre sua.
Claro, mas o tempo vai passando e agora já admito continuar.
Depois do enfarte está em franca recuperação. Conte lá um bocadinho como é a sua vida.
As minhas manhãs são desportivas. Ginásio de reabilitação cardíaca e natação.
Revive os seus tempos de nadador.
A parte da manhã é consumida desportivamente, após o almoço estou ao serviço do clube, aqui ou em casa.
Já faz umas boas corridas.
Dois quilómetros duas vezes por semana e os médicos já dizem que estou em forma.
Quem é o atleta da sua vida?
Ah!! O atleta da minha vida é o Carlos Lopes. Vi-o ganhar a medalha de ouro em Los Angeles. Era o chefe de missão.
Esse é o grande momento da sua vida como dirigente?
Sem dúvida. Naquela altura havia a convicção de que os portugueses tinham uma compleição física inferior em relação aos atletas do resto da Europa e que não conseguíamos grandes marcas. E era contra isso que o Moniz Pereira lutava. O Carlos Lopes foi o primeiro a comprovar que Moniz Pereira estava certo e que os portugueses precisavam era de trabalhar. Nos Jogos Olímpicos sempre entendi, mesmo quando os resultados não eram favoráveis, que tal se devia a falta de planeamento ou por vontade de ganhar dinheiro antes dos Jogos.
Chorou no dia em que Carlos Lopes se sagrou campeão olímpico?
Claro que chorei. Primeiro andei a seguir a prova pelas ruas de Los Angeles. Depois, quando o vi arrancar, fiquei com esperança de que pelo menos uma medalha ia arrancar. Fui para o estádio olímpico e lá um colega meu que já morreu tinha levado uma bandeira portuguesa enrolada debaixo do casaco. Quando o Carlos Lopes entrou, levantámo-nos como uma mola e atirámos a bandeira, penso que foi o Miranda Calha. Quem levou a bandeira foi o Matos Soares, sócio número um do Benfica, falecido recentemente.
E a grande desilusão da sua vida desportiva?
Houve várias. Mas uma que mexeu muito comigo foi a Naide Gomes em Pequim. Ela tinha a melhor marca mundial, uma medalha estava quase assegurada. Mas não conseguiu apurar-se para a final. Isso foi um desapontamento enorme e até disse a um jornalista: "Estou farto, não me recandidato." Mas aquilo foi mal percebido e o que saiu em Lisboa é que eu estava a demitir-me em plenos Jogos Olímpicos. Foi notícia de abertura dos telejornais. Depois com a medalha de ouro do Nelson Évora percebi que me tinha precipitado.
Qual foi a sua melhor decisão como dirigente?
Candidatar-me a presidente do Comité Olímpico.
E a pior, aquela que se arrepende ainda hoje?
Ter-me demitido da presidência do Sport Algés e Dafundo, em 1995. Numa assembleia geral difícil, houve quem se levantasse e esfregasse o polegar no indicador. E senti-me tão ofendido que me demiti. E com isso a oposição acabou por ir para a direção do clube, prejudicando-o durante muitos anos.