Novos destinos dão força a alojamento local, mas hotéis têm a grande fatia da receita
Um terço das dormidas em Portugal já é feita em alojamento local (AL), apontam as últimas estatísticas da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). O peso varia consoante os destinos, com este tipo de alojamento a representar entre 70% e 80% em destinos apelidados de "inovadores" por Eduardo Miranda, presidente da ALEP. E que destinos são esses? "São destinos que estão a surgir com o turismo ecológico, de natureza ou junto à praia. Por exemplo, na zona de Peniche, costa vicentina ou Mafra."
No que diz respeito ao número de camas, segundo os alojamentos registados no Registo Nacional do Alojamento Local (RNAL), 63% estão em AL e apenas 37% nos hotéis.
Mas a hotelaria ainda é a principal escolha da maioria dos hóspedes. Em 2018, as dormidas neste tipo de alojamento - que inclui não só hotéis mas também aparthotéis, pousadas, apartamentos turísticos e aldeamentos - ascenderam a 56 561 305, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE). No primeiro semestre, foram contabilizadas 25 535 805 dormidas.
A comparação com as dormidas em AL é difícil de fazer, já que o INE considera apenas os alojamentos com dez ou mais camas. Neste segmento, foram registadas, no ano passado, 8 724 391 dormidas e nos primeiros seis meses deste ano 4 274 724. Contudo, estes dados "cobrem uma franja que não chega a 20% do mercado", lamenta Eduardo Miranda. "Cerca de 90% do AL são apartamentos e moradias. E a maior parte dos apartamentos e moradias têm menos de dez camas, o que é normal."
Também os hoteleiros olham para esta falta de monitorização com reserva: "A situação de não se conseguir compreender muito bem o fenómeno em termos mensuráveis traz alguma preocupação em termos de gestão em geral, não apenas para os hotéis mas também para a capacidade de carga do país, das infraestruturas ou da distribuição do território", defende Cristina Siza Vieira, CEO e vice-presidente da Associação de Hotelaria de Portugal (AHP).
Eduardo Miranda afirma que o alojamento local tem um peso importante na estratégia de diversificação do turismo. "Claro que o hóspede tem sempre em conta o preço, mas já ficou claro que o motivo principal da escolha hoje não tem nada que ver com o preço. Tem que ver com uma oferta diferente, a possibilidade de ir para destinos diferentes, de se alojar de forma diferente", aponta. "A diversificação dos motivos de viagem exigiu que houvesse também uma diversificação dos tipos de alojamento e o AL responde a isso."
Cristina Siza Vieira concorda com o facto de o preço não ser determinante. "Se há quem procure pelo preço, há outros que procuram por outras valências. Quem está numa camarata em AL obviamente tem um perfil diferente daquele que vai para um quarto de hotel. Mas quem vai para uma suíte em AL, provavelmente tem o mesmo perfil de quem vai para uma suíte de hotel."
Com mais de 90 mil registos em território nacional, o AL acolhe um tipo de hóspede que procura uma "experiência local mais real", diz Eduardo Miranda. Estes hóspedes "têm uma aptidão para consumir em comércio local", destaca o presidente da ALEP. "Isto é bom porque mesmo que gastem menos no alojamento, continuam a ser clientes com um bom poder de compra. É interessante ver que o gasto médio do turista de AL é similar e algumas vezes superior ao do cliente de hotel." Outro fator relevante prende-se com a estada, já que em AL a estada média supera a hotelaria. E este é "um dos grandes objetivos estratégicos do turismo sustentável em Portugal. Queremos que as pessoas venham e fiquem mais tempo".
"É evidente que há concorrência direta. Se não houvesse AL, as pessoas teriam de ficar noutro tipo de empreendimento. Por outro lado, também sabemos que cada vez mais há AL com perfil muito idêntico à hotelaria", diz Cristina Siza Vieira, referindo-se a registos de alojamento coletivo como hostels ou guesthouses. Atualmente, o AL em Portugal é como um "albergue espanhol, onde cabe tudo", diz. A AHP já fez uma proposta ao governo com o intuito de distinguir os diferentes tipos de AL. "A expectativa seria que num futuro próximo se pudesse distinguir dentro do AL o que é que é verdadeiramente AL e o que é que é empreendimento turístico."
Nos primeiros seis meses de 2019, as receitas da hotelaria ascenderam a 1,6 milhões de euros, segundo o INE, registando um aumento homólogo de 6,2%. Quanto ao alojamento local, considerando as ofertas com dez ou mais camas, os proveitos foram de 152,6 mil euros, no primeiro semestre. Apesar de residual, o valor representa um aumento de 21,6% face ao mesmo período em 2018.
"Não posso fazer análises quando se está a perder cerca de 80% do mercado", reforça Eduardo Miranda. A lacuna estatística levou a ALEP a procurar uma solução. Nesse sentido, a entidade vai apresentar ainda neste ano um projeto de indicadores da "fatia que falta do AL", para dar aos operadores "dados de referência realistas" para que possam fazer comparações e incentivar ainda mais a sua profissionalização. Mas a ALEP não se fica por aqui. Eduardo Miranda adianta ainda que a associação vai lançar uma série de ações de formação destinada aos operadores. Um dos principais cursos incide sobre como iniciar um AL com sucesso. "Promoveu-se muito o AL como a galinha dos ovos de ouro e muita gente entrou no mercado com expectativas irreais".
Texto publicado originalmente na edição impressa do Dinheiro Vivo