Depois de ter suscitado uma enorme polémica pública, o projeto para o quarteirão da Cervejaria Portugália, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, foi reformulado. A torre de 60 metros perdeu 11 metros - tem agora 49. E terá uma localização mais interior em relação ao que estava inicialmente projetado..Apesar do decréscimo de 11 metros, a torre perde apenas três andares, dado que foi diminuída a altura dos pisos. Em contrapartida, um dos edifícios complementares - o que está encostado à cervejaria Portugália - ganha um andar. A praça interior, que permitirá o atravessamento público da Avenida Almirante Reis para a Rua António Pedro, nas traseiras do quarteirão, não sofre alterações significativas. Fonte oficial da Câmara de Lisboa justifica esta reformulação com a necessidade de "ir ao encontro do que tem sido o debate público" em torno do projeto para Almirante Reis, que esteve em consulta pública no mês passado.."Elencámos um conjunto de assuntos que deviam ser revistos neste processo e, na sequência dessa comunicação, foi entregue um projeto com alterações", diz ao DN Eduardo Campelo, arquiteto e diretor do departamento de Projetos Estruturantes..O plano reformulado ainda terá de passar pelo crivo dos serviços técnicos da Câmara de Lisboa - que ainda podem pedir novos ajustamentos - para depois ser submetido à apreciação política do executivo camarário..E as vistas?.Apesar da perda de altura, o Portugália Plaza continuará a ser o edifício de maior envergadura da Avenida Almirante Reis, onde, atualmente, os prédios mais altos têm pouco mais de 20 metros. Eduardo Campelo diz, no entanto, que a redução da altura do edifício terá um considerável "impacto no sistema de vistas": "Fica claramente dentro do perfil do sistema de vistas, do skyline da cidade naquele ponto.".Uma das críticas que mais se ouviram ao projeto foi precisamente o impacto que o edifício tinha sobre as vistas da cidade a partir do Miradouro do Monte Agudo e da Penha de França, para onde está prevista a construção do Jardim do Caracol da Penha. O diretor do departamento de Projetos Estruturantes da autarquia diz que, com as alterações agora introduzidas, não haverá "uma proeminência [do Portugália Plaza] relativamente à mancha construída na cidade". E nas vistas a partir da própria Avenida Almirante Reis "há uma redução evidente do impacto"..O Portugália Plaza é um projeto imobiliário de natureza sobretudo habitacional, que pretende criar 85 novos apartamentos na Almirante Reis, num terreno atualmente abandonado, onde se veem ainda as ruínas da antiga fábrica da cerveja..O projeto inicial previa a construção de cinco fogos T0, 44 fogos T1, 17 fogos T2, 17 fogos T3 e dois T4. Além da habitação, estão também projetados 16 escritórios e espaços de cowork, além de uma zona comercial no piso térreo, que rodeia duas praças interiores. A obra tem um custo estimado de 40 milhões de euros..CML quer rever créditos de construção.Se a altura do Portugália Plaza tem sido o ponto de maior polémica em torno deste projeto, a volumetria do edifício acabou por "destapar" outra questão controversa, os créditos de construção..Em causa está uma bonificação prevista em regulamento municipal, aplicável a projetos considerados estruturantes, que permite aumentar a área a construir, como "recompensa" pelo cumprimento de metas, por exemplo, de eficiência energética. No caso concreto do Portugália Plaza, os créditos de construção permitiram um acréscimo de 11 mil metros quadrados da área a edificar - um valor que soma aos 18 mil metros quadrados de superfície já previstos, num total de 29 mil metros quadrados de área.."Em resultado da aplicação de créditos de construção, o promotor imobiliário do Portugália Plaza aumenta a área de construção nuns incríveis 60%!", apontou o Stop Torre 60m Portugália, um movimento cívico de moradores de Arroios que contesta a construção da torre, no documento que entregou no âmbito da consulta pública do projeto. E fez as contas: "Se considerarmos um valor de mercado de 5000 euros por metro quadrado, estes créditos de construção valem 55 milhões de euros, permitindo ao promotor um encaixe financeiro que é superior ao custo total do projeto.".Este é um dos pontos que agora surgem alterados. No novo projeto, os créditos de construção diminuíram dos 11 mil para os seis mil metros quadrados..Eduardo Campelo diz que, nestes casos, a câmara sugere que os créditos sejam usados nos pontos que a autarquia considera mais prementes para a cidade - por exemplo, a criação de estacionamento para uso público. E desincentiva o recurso aos créditos noutros casos que, no entanto, o regulamento permite - é o caso da ventilação natural, que dá direito a créditos de construção..O responsável camarário diz que a recontagem que agora surge no projeto resulta dessa readaptação às prioridades pedidas pela autarquia. E acrescenta que vêm aí alterações nesta matéria: "É uma questão que resultou muito clara da discussão pública, e nós, no relatório que fazemos, dizemos isso. Já tínhamos tido esta discussão interna e o próprio arquiteto Manuel Salgado [vereador do Urbanismo] já o tinha dito, que temos de introduzir alterações ao regulamento dos créditos." "O regulamento é de 2013 e a prática mostra-nos que há situações que não estão bem calibradas, com a experiência que vamos adquirindo percebemos que há coisas que não funcionam bem e propõe-se que a revisão do regulamento dos créditos seja rapidamente concretizada", conclui..Outra questão que se levantou em relação aos créditos de construção foi o facto de, na documentação disponibilizada na consulta pública ao Portugália Plaza, constar um documento em que uma técnica camarária sugere a verificação pelos serviços da autarquia das contas feitos pelo promotor, sugestão que não é acolhida. Um exemplo de "facilitismo", apontou o movimento Stop Torre 60m Portugália..Os pareceres citados pelo movimento constam da documentação disponibilizada pela câmara no âmbito da consulta pública ao projeto, também consultados pelo DN. Entre estes encontra-se a apreciação do projeto em que é sugerida a verificação dos créditos pelo departamento de Planeamento Urbano da autarquia..Mas, num parecer assinado pelo chefe de divisão de Projetos de Edifícios, escreve-se que é "dispensável a consulta ao departamento de Planeamento, uma vez que resulta claro a opção tomada e justificações apresentadas para a aferição dos créditos de construção". Este despacho vem a merecer a concordância de vários responsáveis da câmara e do vereador Manuel Salgado..Questionada sobre por que razão dispensou a consulta ao departamento de Planeamento sobre esta matéria, a Câmara de Lisboa respondeu que os serviços técnicos municipais "confirmaram os cálculos efetuados pelo projetista". E que o parecer do departamento de Planeamento "não é obrigatório nem está previsto nos procedimentos".