Novo contrato com o Estado prevê contraordenções para a CP
A CP vai passar a estar sob forte vigilância a partir de 1 de janeiro e, se a empresa pública de comboios não cumprir as viagens ou horários definidos no contrato de serviço público com o Estado, poderá ser alvo de contraordenações por parte do regulador, a AMT - Autoridade da Mobilidade e dos Transportes.
E só vai ser compensada financeiramente pelo seu serviço se a despesa estiver justificada linha a linha e não violar as regras europeias. Esta mudança deve-se à entrada em vigor do quarto pacote ferroviário da União Europeia, que vai abrir as linhas de comboios de Portugal a outros operadores.
"A partir de 1 de janeiro, a CP terá de ter um contrato com o acionista Estado para a prestação de serviço público com várias obrigações, como a definição de frequências. Esse documento tem de ser entregue até 31 de dezembro e será alvo de um parecer prévio vinculativo da AMT", explica o presidente da autoridade, João Carvalho, em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo. O acordo será apreciado "no espaço de duas semanas" e, depois, "tem ainda de ser analisado pelo Tribunal de Contas".
A revolução no transporte ferroviário de passageiros representa uma grande mudança na atuação do regulador junto da CP. Atualmente, "o contrato de concessão só tem coisas vagas e permite que, no limite, a CP só faça uma viagem a Cascais por dia, se assim se quiser", exemplifica João Carvalho. A partir de 1 de janeiro, "o contrato de concessão tem de ter métricas e obrigações que têm de ser cumpridas. Se assim não for, a AMT pode avançar com um processo de contraordenação contra a empresa".
O contrato de prestação de serviço entre a CP e o Estado "está a ser elaborado" e irá tratar-se de um ajuste direto. As regras comunitárias assim o permitem mas apenas junto dos operadores internos controlados pelo Estado. Este acordo, renovável, pode ser válido por dez ou 15 anos "se for feito um investimento avultado na CP que tenha de ser amortizado".
No entanto, a Comissão Europeia ou o Tribunal de Justiça da União Europeia poderão entrar em ação se o acordo de prestação de serviço público "fechar artificialmente o mercado a outros operadores".
Com este contrato, a CP volta a receber indemnização compensatória, o que não acontece desde 2015. Mas isso só irá acontecer "se o Estado justificar devidamente e de forma muito transparente a atribuição desse apoio", ou seja, o apoio será atribuído linha a linha.
O ajuste direto também pode prever que a CP não receba um cêntimo do Estado em alguns dos serviços, como o longo curso. No documento, haverá contas separadas entre os serviços comerciais - como o Alfa Pendular e o Intercidades - e os serviços deficitários - como os comboios regionais. João Carvalho considera, por exemplo, que o Alfa Pendular "não tem de ser uma obrigação de serviço público".
Isso mesmo já foi explicado pelo ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo, em outubro. "O serviço em geral da CP será objeto do contrato de serviço público mas os serviços não lucrativos, em particular os serviços regionais, serão mais desenvolvidos nessa contratualização porque há de ser aí que terão de ser estabelecidas as indemnizações compensatórias. [...] Há serviços que só podem ser prestados em contexto de contrato de obrigações de serviço público mesmo sem indemnização."
O líder da CP, Carlos Gomes Nogueira, calcula que sejam necessários 90 milhões de euros para que a transportadora seja compensada pela prestação do serviço público de comboios. A tutela não indicou, para já, qual será o montante dessa compensação. No Orçamento do Estado para o próximo ano, no entanto, está prevista uma transferência de 40 milhões de euros do IMT para "financiamento da atividade operacional da CP".
O DN/Dinheiro Vivo tem tentado esclarecer, junto do gabinete de Pedro Marques, se esta transferência corresponde ao montante da indemnização compensatória mas não tem obtido qualquer resposta. O ministro poderá responder a esta questão nesta segunda-feira, ao abrigo da audição parlamentar, na especialidade, do Orçamento do Estado para 2019.
O ajuste direto, no entanto, não impede que outras empresas possam explorar as linhas de caminhos-de-ferro de Portugal. As transportadoras, para que possam entrar em Portugal, têm de perguntar à IP se existem horários (canais) disponíveis para estes comboios circularem. Poderão concorrer "operadores já reputados a nível financeiro, com todas as competências na área dos transportes e, sobretudo, com experiência internacional", refere João Carvalho.
A gestora da rede ferroviária portuguesa não pode negar o pedido a não ser que exista um contrato de serviço público para um troço em concreto e/ou se este mesmo trajeto por terceiro operador (CP ou Fertagus, na ligação Setúbal-Roma-Areeiro) colocar em causa o equilíbrio económico deste mesmo contrato.
A AMT terá a última palavra e pode impor ou não restrições para a exploração das linhas pedidas por outros operadores. Nessa decisão, o regulador terá de ter em conta a legislação nacional e europeia, por questões concorrenciais ou de desequilíbrio económico dos operadores existentes, "sempre com base em dados objetivos e transparentes".
Voltando à linha de Cascais, "se a CP definir no contrato que só pode fazer três viagens por dia e a AMT perceber que isso não é suficiente - tendo em conta que há muita procura -, isso dará espaço para que outros operadores possam entrar", mesmo que este trajeto esteja na lista de serviços obrigatórios, exemplifica o líder do regulador.
Os novos operadores poderão ainda utilizar as linhas de comboios portuguesas se o IMT chumbar o contrato entre a CP e o Estado e não forem seguidas as recomendações do regulador. "Nesse cenário, o mercado fica aberto e podem entrar outras transportadoras, porque será aberto um concurso."
Mas a chegada a Portugal de novas empresas de comboios ainda poderá demorar algum tempo. Ainda nenhuma operadora entregou qualquer pedido formal junto da AMT; a CP decidiu reforçar a parceria com a congénere espanhola Renfe, que era apontada como uma das potenciais candidatas a entrar no mercado ferroviário nacional.