Novo Banco dá dispensa temporária a trabalhadores que não aceitaram sair

Carta diz que não perderão o salário mas não devem ir trabalhar até ao fim de abril. Dispensa é justificada com reestruturação. E adianta que quem desobedecer pode ser alvo de processo disciplinar. Advogado diz que é ilegal
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O Novo Banco entregou ontem em mão aos trabalhadores que não aceitaram as condições das rescisões por mútuo acordo uma carta em que os "dispensa temporariamente do serviço", mantendo a remuneração. Quem não "seguir a instrução" pode ser alvo de processo disciplinar por "desobediência ilegítima às ordens do banco". Segundo o documento a que o DN teve acesso, o banco liderado por Stock da Cunha informa os funcionários que pretendem manter-se no quadro que a sua presença "redundaria numa situação de ociosidade, a qual lhe seria apta a gerar uma situação indesejável de desgaste psicológico e de tensão para a organização".

A dispensa de assiduidade, sublinha-se na carta do banco - que pretende rescindir com 500 funcionários - é temporária, estabelecendo-se o dia 30 de abril como limite e esclarecendo-se que esta medida não afetará "a sua retribuição ou qualquer outro benefício que pressuponha a efetiva prestação de trabalho". Os trabalhadores devem, lê-se ainda, manter-se contactáveis.

Fonte oficial do Novo Banco disse ao DN que este é um tipo de procedimento habitual nos processos de rescisões amigáveis. No entanto, a carta enviada aos trabalhadores apanhou de surpresa Rui Riso, presidente do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, entidade que nas últimas semanas tem negociado com o Novo Banco as condições para as rescisões por mútuo acordo. "Vou já enviar esta carta para o nosso departamento jurídico", reagiu Rui Riso ao DN, acrescentando que o teor da comunicação "é inqualificável". "Não tenho palavras", adiantou o presidente do Sindicato, considerando que a iniciativa do Novo Banco vem "perturbar um processo que está a ser conduzido com o objetivo de causar o menor dano possível".

De acordo com fonte oficial da instituição, "por decisão de Bruxelas", o Novo Banco foi obrigado a "cortes operacionais de 150 milhões de euros e à redução de mil dos seus trabalhadores", uma vez que a atividade bancária sofreu as consequências do estado da economia. Esse corte no número de trabalhadores (metade já saiu nos últimos meses) - que vai levar o presidente do Novo Banco, Stock da Cunha, ao Parlamento na terça-feira - tem sido negociado entre a administração da instituição e o sindicato. Dessas negociações já saiu o acordo para que o banco continue a pagar a contribuição de 6,5% da retribuição de cada trabalhador que rescinda contrato para os Serviços de Assistência Médico Social, assegurando durante um ano a contribuição dos próprios trabalhadores: 1,5% do salário.

Nesta negociação o banco, que será colocado à venda a 31 de março, comprometeu-se, segundo uma nota do sindicato, a fazer esse pagamento de 6,5% de "imediato" e na totalidade. Segundo o SBSI, o valor será "calculado com base na metodologia utilizada na capitalização dos fundos de pensões".

Carta leva a queixa

Especialista em direito do trabalho, João Correia não tem dúvidas: a comunicação feita aos trabalhadores que não aceitaram rescindir o contrato é "ilegal e ilegítima". "Viola o princípio constitucional do direito ao trabalho e do direito à ocupação efetiva, este previsto no Código do Trabalho". Para o advogado, o banco, ao afirmar que a presença de um trabalhador no seu local de trabalho "redundaria numa situação de ociosidade, a qual lhe seria apta a gerar uma situação indesejável de desgaste psicológico", está a incorrer em assédio moral ao funcionário. "Se a dispensa de assiduidade fosse por acordo era uma coisa, como é imposta o caso muda de figura", explicou ao DN.

Nuno Matos, do Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Financeira (SITAF), adiantou que esta estrutura sindical "enviou para a Autoridade das Condições de Trabalho uma queixa com cópia da carta entregue aos trabalhadores que se apresentaram no local de trabalho". E acrescentou que o sindicato irá "avançar com uma providência cautelar" para tentar anular a decisão da administração do Novo Banco. Os trabalhadores receberam a carta "dos responsáveis dos recursos humanos Paula Borges e Luís Franco - o que eu próprio testemunhei", afirmou.

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