Nova Zelândia. A parábola de um pássaro que não voa
Voei para Auckland para uma reunião técnica sobre a Oceânia. Esta cidade é a maior do país, embora Wellington seja a capital e o principal centro financeiro e económico. Auckland foi fundada em 1840, tendo sido a capital da Nova Zelândia até 1865. Desta época, exatamente de 1860, é a "viagem maravilhosa" escrita por Jules Verne, intitulada "Dois Anos de Férias", cujo enredo ali se passou. - "Nessa época, o Colégio Chairman era um dos mais estimados da cidade de Auckland, capital da Nova Zelândia, importante colónia inglesa do Pacífico. Contavam-se nele uns cem alunos, pertencentes às melhores famílias do país. Os maores [maori], que são indígenas daquele arquipélago, não podiam fazer admitir lá os seus filhos, para os quais, aliás, foram reservadas outras escolas." Esses alunos, em férias, seriam os protagonistas de um passeio por seis semanas em navio. Porém, perder-se-iam no mar, indo naufragar numa ilha para eles desconhecida. Historicamente, estima-se que os nativos tenham chegado a este território entre os anos 800 e 1300, segundo a tradição oral de um lugar chamado Hawaiki, cuja localização não foi decifrada, embora se acredite ser uma região do Pacífico. Mais de 150 anos depois daquela história de Jules Verne, eu estava ali para o referido encontro de especialistas em turismo, com a intenção de avaliar, em conjunto, um plano turístico para a Oceânia, a partir das expetativas de cada Estado. Nos textos acerca deste encontro, relato as intervenções dos respetivos responsáveis dos diferentes países. Porém, eu não saí da Nova Zelândia, tal como acontece com o kiwi, que é um pássaro que não voa, endémico deste território. Consta que, devido à ausência de mamíferos e predadores terrestres durante milhões de anos, esta espécie adaptou-se para viver no solo. Foi declarado um símbolo nacional, e a Força Aérea da Nova Zelândia tem-no, paradoxalmente, como emblema. Ele não tem asas e fica a ver os bandos que seguem para o outro lado do horizonte, sobre as plantas que brotam da terra, a sonhar com coisas boas e a seguir o seu coração no caminho da liberdade, para um lugar imaginário, mas confinado a uma ilha. Naqueles dias, fui como aquele pássaro. Não saí da ilha. "Pássaros" de outras ilhas vieram ter comigo. As asas não me faltaram para poder cumprir o meu compromisso de especialista em turismo. Aquela ave, sem poder voar, foi uma referência no meu desígnio perante quem esperava os meus conselhos. Para tal, não seria importante voar sobre as outras pessoas. Importante era vê-las ao meu nível, no chão que todos pisamos, e estimulá-las a seguirem o seu caminho, olhos nos olhos.
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.