Nova líder britânica sem tempo para lua-de-mel com o eleitorado
Com os votos de 81326 militantes conservadores (57,4% dos votantes), Mary Elizabeth Truss foi eleita sucessora de Boris Johnson na chefia do Partido Conservador e, por inerência, do governo britânico. Ao dar o passo para o topo da escadaria do poder - é indigitada hoje nas funções de primeira-ministra durante a audiência com a rainha Isabel II -, Liz, como é conhecida, prometeu cortes nos impostos das empresas numa plataforma mais radical do que a do seu adversário, o ex-ministro das Finanças Rishi Sunak, e na qual disse "que é justo" que os mais ricos sejam os beneficiados com o corte fiscal.
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Com o Reino Unido mergulhado numa crise económica, a terceira mulher a dirigir o governo britânico, depois de Margaret Thatcher e de Theresa May, não vai ter tempo para a costumeira lua-de-mel com o eleitorado.
Longe vão os tempos universitários em que a liberal-democrata Truss defendia um referendo para abolir a monarquia ou em que fez campanha pela legalização da canábis. Excessos da juventude, poderá alegar aos 47 anos (ainda em 1996 trocou os liberais-democratas pelos tories), mas que dizer da sua mudança de posição sobre o brexit? Em 2016 fez campanha pela permanência na União Europeia, justificando de forma pragmática que a continuidade seria o melhor em termos económicos.
Enquanto secretária de Estado do Comércio Internacional do gabinete de Boris Johnson assinou acordos de comércio com a Austrália, Japão e outros países - não conseguiu o mais importante, com os Estados Unidos - e passou a dizer que estava errada quanto ao brexit. Já como ministra dos Negócios Estrangeiros manteve uma linha dura para com a Rússia, o que a ajudou a pintar o retrato de nova "dama de ferro".
Uma comparação que resultou junto do eleitorado conservador, para lá do apelo do corte fiscal. Mas muitos outros britânicos recordam de Thatcher as cicatrizes dos anos de lutas sociais. E a preferência de Truss por um corte nos impostos das empresas e dos mais ricos quando milhões de pessoas não sabem como vão poder pagar as contas da energia nos próximos meses fazem soar os alarmes. A campanha contra o aumento do custo de vida Enough is Enough já marcou uma manifestação nacional para dia 1 contra os planos da nova primeira-ministra. Além das contas de energia, os britânicos enfrentam possível escassez de combustível, inflação de dois dígitos, greves sem paralelo em décadas e recessão iminente.
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Num discurso de vitória monocórdico em comparação com o do antecessor, Truss prometeu reduzir os impostos e "resolver a crise energética". Especulou-se de imediato que iria seguir os apelos do Partido Trabalhista e das empresas fornecedoras de energia e congelar os aumentos das faturas de gás e eletricidade.
Segundo a Reuters, o plano da equipa de Truss passará por um empréstimo público para financiar a diferença nas faturas a partir de outubro, com um aumento de 80%. O empréstimo será diluído nas faturas dos consumidores numa taxa a pagar durante 10 a 15 anos.
Se em relação à Ucrânia não é de esperar qualquer mudança de fundo, já com Bruxelas nada de positivo se prevê para os próximos tempos. Para irritação dos funcionários europeus, em maio, o governo britânico introduziu legislação com o objetivo de anular o protocolo da Irlanda/Irlanda do Norte. A nova primeira-ministra reafirmou em campanha a vontade de acabar com as disposições que possibilitam a inexistência de uma fronteira física na ilha.
A medida, caso passe na Câmara dos Comuns, terá resistência na Câmara dos Lordes, onde muitos membros o veem como uma violação do direito internacional. A disputa pode também afetar as relações com Washington. Não é segredo que a administração Biden tem uma posição alinhada com Bruxelas no tema, uma vez que o objetivo de Downing Street em acabar com o protocolo assinado com Bruxelas pode reacender um conflito selado há 25 anos de paz com a assinatura do acordo da Sexta-feira Santa.
Enquanto a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen aspirou a uma "relação construtiva, no pleno respeito pelos acordos", o presidente francês Emmanuel Macron - visado por palavras pouco diplomáticas por Truss na campanha - disse estar "pronto para trabalhar em conjunto como amigos e aliados".
cesar.avo@dn.pt