Notas de Harvard

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Vim a Harvard para um seminário sobre boas práticas de governança empresarial. São temas cada vez mais relevantes, numa economia de mercado onde os acionistas são ativistas e os gestores são implacavelmente escrutinados. E o que se passa nos EUA acaba por influenciar os códigos de conduta das grandes empresas em todo o mundo. Afinal de contas, este é um país habituado a exportar os seus modelos e instituições.

As universidades americanas, mormente as Ivy League, continuam a ser formidáveis centros de conhecimento e espaços de vigorosa atividade intelectual. Apesar das derivas do politicamente correto e dos excessos woke, as grandes faculdades assumem-se como pilares na construção de elites e no desenvolvimento científico. Os patrimónios disponíveis (os famosos endowments), na ordem das dezenas de milhares de milhões de dólares por cada universidade, são de facto impressionantes, dificilmente replicáveis à escola global, e servem como garantia da autonomia e qualidade de todo este sistema.

Na América, a corrida para as presidenciais de 2024 está por agora marcada por dois temas, ilustrativos do declínio da política: a idade dos candidatos e a erosão do centro. Uma sondagem publicada pelo Wall Street Journal indica que 73% dos americanos acham que Joe Biden está demasiado velho e 60% duvida das suas capacidades mentais. Como é que um país que sempre valorizou a criação de oportunidades, a cultura dos recomeços, a vitalidade como postura, a inovação como receita, não é capaz de apresentar novos protagonistas, enérgicos, mobilizadores, agentes bem equipados para os desígnios do futuro? Por outro lado, a radicalização e atração por gente bruta continua a passos perigosamente largos. É penoso assistir a um debate do Partido Republicano. Aquele que era conhecido como o Grand Old Party foi tomado por populistas que manifestamente expulsaram os conservadores. Os republicanos com Trump eram patéticos, sem Trump são péssimos. Que saudades dos velhos senhores moderados, pragmáticos, civilizados, pro-business mas capazes de dialogar com os democratas, como o extraordinário James Baker, o exemplar John McCain, ou até o tecnocrata Mitt Romney.

Os media sempre à procura de segundos ou terceiros atos: a CNN foi buscar um peso pesado para tentar renascer. O declínio tem sido constante nas últimas décadas e dramático nos últimos anos, baixando do patamar de 1,8 milhões de espectadores em 2020 para menos de 600 mil atualmente. Recrutaram um gestor com todas as credenciais: Mark Thompson, 66 anos, inglês, ex-líder da BBC e ex-CEO do New York Times, onde houve uma extraordinária transformação através do digital. Currículo não lhe falta para o complexo desafio.

E o livro do momento é obviamente a biografia de Elon Musk, esse "homem-criança", como lhe chama Walter Isaacson, que se tem debruçado sobre as vidas de inovadores obsessivos, como Leonardo da Vinci, Einstein e Steve Jobs. Musk revela-se um caso bicudo, um fazedor desmedido, um homem sem empatia, ambicioso e bipolar. Sempre a surfar projetos disruptivos em áreas relevantes, desde o PayPal, à Tesla, à desajeitada compra do Twitter, às polémicas incursões na área dos satélites e defesa, ao inevitável ímpeto pela inteligência artificial (através da xAI, a sua aposta mais recente). Há nele o gosto da provocação, do limite, o espírito do contrarian. O milionário que diz não querer ter bens físicos, não querer ter casas. Mas entre várias obsessões, é-lhe cara a tentativa de popular o mundo, já vai em dez filhos, de três mulheres. O livro é o retrato de um homem intenso, desequilibrado e fascinante, cuja evolução é uma incógnita.

Visto a partir dos Estados Unidos, há algo que mudou profundamente nos últimos anos e que não pode deixar nenhum português indiferente: o incremento da notoriedade e a melhoria da perceção do nosso valor. Para tal contribuem vários fatores: a evolução da oferta turística e imobiliária, o aumento significativo das rotas da TAP, a apetência dos investidores americanos por mercados europeus, o nosso posicionamento como um polo tecnológico, a vontade de muitas famílias californianas, e não só, de viverem em sítios mais tranquilos. A realidade é que Portugal deixou de ser um destino residual, e ganhou o estatuto de país atrativo, seguro e com uma certa qualidade.

No regresso, releio as seminais lectures que o escritor italiano Italo Calvino produziu, nos anos 80, precisamente para um seminário em Harvard, e que deram origem ao livro Six memos for the next millennium. Os seis temas escolhidos por Calvino eram simplesmente decisivos: leveza; velocidade; precisão; visibilidade; multiplicidade; consistência. E continuam a ser.

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