Normalmente é aqui que acabam as surpresas do Mundial
Quando Joachim Löw, treinador da Alemanha, analisar todas as coisas que correram mal com a sua equipa nas últimas duas semanas, todos os fatores que contribuíram para a saída ignominiosa do atual campeão do mundo, vai haver um momento em particular que o fará estremecer.
Poucos minutos depois da derrota da Alemanha com o México no seu jogo de abertura - não fortuita mas merecidamente, mais prenúncio do que acaso -, Löw foi informado de que, em três dos quatro Campeonatos do Mundo anteriores, a equipa que entrou na competição como detentora do título caiu na fase de grupos. Ele rejeitou a ideia de que a Alemanha pudesse seguir o mesmo caminho. "Eu garanto que estaremos na ronda eliminatória", disse ele.
Este, como as últimas duas semanas já comprovaram, não é um Campeonato do Mundo em que qualquer pessoa deva oferecer garantias. A Alemanha, aquela grande constante do futebol internacional, a semifinalista persistente, saiu, para grande alegria do Brasil e da Inglaterra e o alívio mais discreto de Espanha, França, Argentina e restantes.
Os países que ficaram devem ter visto o suficiente para saber os perigos da arrogância. A Espanha demitiu o seu treinador na véspera da competição e esteve a um único golo, além de uma revisão em vídeo, de uma saída antecipada. O mesmo aconteceu com Portugal. A Argentina passou duas semanas num estado de crise existencial e entrou nos oitavos-de-final porque o seu defesa central marcou com o seu pé mais fraco a quatro minutos do fim do jogo.
Mesmo aqueles candidatos cujo progresso foi um pouco mais sereno - Brasil, França, Bélgica e Inglaterra - já não devem ter dúvidas de que as antigas regras deixaram de se aplicar. O Brasil jogou apenas em lampejos. A França sofreu um golo, mas marcou apenas três.
Os desempenhos mais impressionantes vieram de nações fora da elite estabelecida: a implacável demolição de uma Argentina reconhecidamente caótica pela Croácia; a exploração perfeitamente planeada e habilmente executada de todas as falhas da Alemanha por parte do México; o vibrante regresso da Colômbia para se elevar contra a Polónia.
Este torneio, até agora, tem pertencido não às grandes casas aristocráticas do futebol mas à sua pequena burguesia. Talvez devêssemos ter previsto que iria ser assim, quando a Argentina só conseguiu entrar na competição por uma unha negra, e quando nem os holandeses nem os italianos conseguiram sequer isso. Numa época em que foi permitido, encorajado até, que a diferença entre os clubes mais ricos e os restantes se tornasse um abismo, o futebol internacional, de uma maneira refrescante e abençoada, rumou na direção oposta. É hoje mais democrático do que nunca. Os países com histórias menos brilhantes, mas com um bom treinador, um sentido de identidade e jogadores espalhados pelas grandes ligas da Europa, já não têm tanto a recear. Os gigantes não parecem tão assustadores quando os vemos todas as semanas.
Nas duas primeiras semanas, o Campeonato do Mundo é um carnaval. O planeta é cativado pela cor, pelo barulho e pela bravata de algumas das nações menos familiares: o espírito aventureiro e o apoio barulhento do Peru; o orgulho e a alegria do Panamá; a realização técnica e a pouca sorte de Marrocos e do Irão.
Depois disso, o torneio torna-se o que é suposto ser: uma competição. A tensão instala-se. Os incentivos mudam. Durante grande parte da fase de grupos, há um prémio na vitória. Vale a pena atacar, marcar golos, afastar qualquer medo e ser--se agressivo. As eliminatórias são diferentes. Agora, de repente, o crucial é não perder. Isso altera fundamentalmente a experiência, para os jogadores e para os espectadores.
Após toda a imprevisibilidade das últimas duas semanas, há uma surpreendente familiaridade com os últimos 16 (à parte a ausência da Alemanha). Das 16 equipas ainda de pé, dez são da Europa. Quatro são da América do Sul, porque a Argentina e a Colômbia renasceram. Isso deixa apenas o México e o Japão como os que vêm de fora das duas confederações historicamente dominantes.
O instinto seria dizer que as surpresas acabaram agora, que a diversão terminou, que a Rússia 2018 será como todas as outras: uma guerra de desgaste, em que a superpotência com os maiores recursos em pessoal, riqueza, espírito e vontade finalmente prevalece.
Há, no entanto, razões para ter esperança. Não há nenhuma equipa que se destaque. Não há nenhum treinador proeminente. Não há provas para afirmar, de forma conclusiva, que a Croácia não pode derrubar a Espanha nos quartos -de-final, ou que o Uruguai e Portugal devem ter medo de encontrar a França ou a Argentina na mesma fase. O México derrotou a Alemanha, complacente e lenta, há pouco mais de uma semana. Quem pode dizer que o mesmo plano não pode funcionar contra o Brasil?
O teste para os seus adversários não será técnico nem tático, mas psicológico. Conseguirão eles ver aquelas camisolas amarelo-canário e resistir à vontade de se encolherem? Conseguirão lidar com um jogo eliminatório como se fosse uma partida da fase de grupos? Conseguirão livrar-se do medo de perder e concentrar-se no que significaria ganhar? Conseguirão manter aquele espírito de carnaval, mesmo no calor da competição?
Normalmente, a resposta é não. No fim, a história e a experiência contam. Mas desta vez, como Löw seria o primeiro a reconhecer, enquanto a Alemanha vive as últimas fases do Campeonato do Mundo como observadora em vez de participante, parece que não pode haver garantias.