Nomeações. "Situações podem estar identificadas, mas riscos não são levados a sério pela elite política"

Susana Coroado, ex-presidente da Transparência e Integridade, admite benefícios de processos de controlo das nomeações para o governo, mas diz que a "bolha" política subestima danos reputacionais.
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A questão é simples: haverá um mecanismo eficaz nos governos para detetar situações de incompatibilidade política nas nomeações que são feitas, particularmente, para os cargos de secretário de Estado? Mas a resposta é mais complexa.

"Não tenho a certeza que a elite política consiga identificar uma situação destas como um risco. Talvez não identifique", afirma ao DN a ex-presidente da associação cívica Transparência e Integridade. A "situação" a que a também investigadora Susana Coroado se refere é a da ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis demitida na quarta-feira pelo ministro das Finanças e que recebeu uma indemnização de 500 mil euros por sair antecipadamente do cargo de administradora executiva da TAP.

Susana Coroado dá também como exemplo o recente caso do ex-secretário de Estado ajunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, que acabou por se demitir de funções em novembro pouco tempo depois de ter sido nomeado. "As situações até podem estar identificadas, mas os riscos não são levados a sérios pela elite política. Quando António Costa nomeou Miguel Alves já sabia que era arguido em dois processos", argumenta.

A ex-presidente da Transparência e Integridade admite que poderia existir no Governo uma "equipa" para escrutinar todas as nomeações para o Executivo, mas ainda assim considera que na "bolha política" seriam subestimados alguns riscos. E os casos têm-se sucedido, diz, porque "o governo não sentia que os escândalos lhe provoquem danos reputacionais".

No caso da demissão da ex-secretária de Estado do Tesouro e, por consequência da do ministro Pedro Nuno Santos, reconhece que houve uma mudança de padrão. "A reação do ministro das Finanças e do primeiro-ministro foi célere e dura". Considera que se trata da "conjuntura" a impulsionar essa perceção do dano reputacional por parte de António Costa e Fernando Medina. "Se se estivesse em tempo de vacas gordas ninguém se importava", frisa.

A investigadora frisa que já há algum escrutínio feito através das limitações da Lei que regula o exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, mas admite que poderia ser adotado um regime similar ao que é praticado na Comissão Europeia para a nomeação dos comissários.

Neste caso existe um sistema de fiscalização prévia ao exercício de certas funções, a que os americanos chama de vetting process, ou seja quem for detetado como incompatível para o exercício do cargo é vetado.

Já para José Adelino Maltez, a sucessão de casos no Governo com secretários de Estado parte da "despolitização do cargo". Na opinião do politólogo "o primeiro-ministro tem de os conhecer".

O que não implica que tenha de ouvir pessoalmente as dezenas de secretários de Estado, mas que devia ter uma equipa a fazer esse trabalho de recolha de informação sobre os nomeados.

No anterior governo de António Costa, tanto quando o DN apurou, existia esse trabalho "informal" de recolha de dados sobre os nomeados para o Executivo, o que não está a acontecer com o atual de maioria absoluta.

Susana Coroado admite que no caso de nomeações políticas talvez não haja necessidade de um procedimento formal de aferição das compatibilidades dos titulares de cargos políticos, no caso secretários de Estado.

José Adelino Maltez sublinha, no entanto, que "a culpa não é só de quem nomeia os secretários de Estado como também das leis que permitem que isto aconteça, que uma ex-administradora da TAP receba uma indemnização da companhia participada e tutelada pelo Estado e passe para outra com a mesma natureza, a NAV (Navegação Aérea de Portugal) e depois seja chamada para uma secretaria de Estado". O politólogo afirma que este caso mostra, no entanto, a importância da investigação jornalística na denúncia de práticas menos corretas nos governos. "Este caso obrigará o primeiro-ministro e os ministros, no auge da sua relação com o eleitorado já que há uma maioria absoluta, a limitar e a ser mais cauteloso com as escolhas para o Governo".

paulasa@dn.pt

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