Noite de encantamento ao som dos Dead Can Dance

A muito aguardada passagem pelo Coliseu dos Recreios de uma das mais míticas bandas nascidas nos anos 80 mostrou como por vezes uma longa espera acaba muito bem compensada.
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Há coisas que os discos ao vivo não conseguem traduzir. E por muito que o alinhamento de um concerto seja semelhante e a performance dos músicos seja de igual nível, há sempre algo que falta ao disco que o palco nos dá. Não é só a sensação de podermos ter pela frente aqueles que que admiramos. É a envolvência física que o som acaba por sugerir, unindo-nos, público e músicos, num espaço comum onde a partilha acontece. A magnífica passagem dos Dead Can Dance pelo palco do Coliseu dos Recreios foi disso um exemplo inesquecível.

Eles são de facto diferentes. Ele, Brendan Perry, ora esboçando um gesto de dança, ora tocando um bouzouki. Ela, Lisa Gerrard, sóbria e firme, frente ao yangqin que toca com mestria. Ele, na sua voz de barítono, abre a noite ao som de Children of The Sun, arrancando à plateia uma primeira salva de quentes aplausos. Ela, algumas canções depois, ao entoar Sanvean, causa um arrepio que arrebata a sala lisboeta. Era a primeira vez que os Dead Can Dance ali se mostravam. Foi longa a espera para vermos uma das bandas fundamentais na afirmação de novas demandas para além da urgência rock'n'roll, a melancolia urbana do pós-punk e o melodismo viçoso da pop que o panorama inependente desenhava em meados dos anos 80. Mas convenhamos que poucas vezes vimos uma espera ser tão bem compensada.

Uma multidão tinha respondido ao chamamento. E um Coliseu há muito esgotado já mostrava longas filas de gente a mais de meia hora do concerto, a idade média dos que ali estavam parecendo apontar acima dos 30/35 anos.E já lá dentro, apesar do protagonismo dos temas de Anastasis, o álbum editado no ano passado (após uma longa ausência dos registos de estúdio desde 1996), foi com os temas do catálogo mais antigo do grupo que a partilha de entusiasmos ganhava mais evidente presença na plateia, com um dos momentos maiores da noite ao som de Host of Seraphim, um clássico do alinhamento de The Serpent's Egg, de 1988.

Experiência eminentemente estética, com a vibração dos sons desenhados pelos contrastes entre as texturas das telas e a pujança das percussões a envolver toda a sala, o concerto conheceu mesmo assim o seu episódio político quando, a meio do alinhamento, Brendan Perry nos apresenta Ime Prezakias, canção grega dos anos 30 que lembra tempos de crise e de má governação (com imediata resposta em sintonia da plateia).

Já no encore, Dreams Made Flesh (dos This Mortal Coil, onde Lisa cantou) e Song To The Siren, de Tim Buckley (que os This Mortal Coil também gravaram). Um último adeus, sóbrio e elegante. Como toda a noite o fora.

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