Noite de copos com jovens socialistas em construção
"Ora vejam lá se conhecem esta", e Valentino Cunha larga os primeiros versos de cante alentejano para o meio do grupo. São quase três da manhã e a maioria dos bares de Leiria já fechou portas, mas há um pequeno boteco na Rua da Vitória que agora acolhe uma boa vintena de militantes da Juventude Socialista. O primeiro dia de trabalhos do congresso na Batalha terminou cedo e a comitiva juvenil rumou à capital de distrito para o jantar e uns copos. Às tantas Valentino perguntou se conheciam aquela moda e todos assentiram. Era só desculpa para mais um brinde. "Viva o socialismo."
Ao longo de toda a noite a conversa fora política. No dia seguinte a JS ia apresentar três recomendações ao congresso e o grupo que tinha preparado os diplomas estava entusiasmado com o debate que a iniciativa poderia criar. "A proposta de legalização da prostituição é um tema mais fraturante. Aliás, 75% da atenção mediática que recebemos é por causa destas polémicas", dizia ao início da noite Ivan Gonçalves, líder dos 31 mil militantes da jota, enquanto deixava arrefecer o hambúrguer que tinha no prato. "Mas depois temos propostas de dignificação do trabalho e redução das propinas no ensino superior. São causas importantes e muito mais invisíveis." Ivan, como todos os outros, sabe que as suas propostas não vão ter efeitos imediatos, "mas podem lançar uma semente para que daqui a dez anos se transformem em políticas efetivas."
É para isso que serve a JS, para fazer pensar? Aí fala Catarina Lourenço, da direção nacional. "Somos o braço mais progressivo do partido." Isso significa que são uma ala mais à esquerda - e mais favorável à ideia da geringonça? "Se pensarmos que as ideias mais progressistas estão normalmente ligadas à esquerda, então sim. Por mim, mesmo que ganhemos as próximas legislativas com maioria absoluta, acho que devíamos formar um governo com ministros do PC e do Bloco." Em equipa vencedora, vaticinam entre gargalhadas, não se mexe. Entretanto Valentino atira outra lança: "Ora vejam lá se conhecem esta." Toda a gente se escangalha a rir.
Etiqueta para jovens socialistas
Quase todos os que vieram hoje beber um copo entraram na JS quando José Sócrates era líder do partido. Vieram da Guarda, de Bragança, do Algarve, de Lisboa e de Leiria. Uma das coisas de que a organização se orgulha é da sua diversidade (o maior núcleo de militantes, por exemplo, está em Braga), mas há assuntos em que parecem todos alinhar por uma mesma batuta.
À primeira vista nota-se logo que a grande maioria dos rapazes parece repetir a mesma vestimenta. Usam quase todos sapatos castanhos - uns de camurça, outros de vela - e camisas bem engomadas entaladas por dentro das calças. Depois é inevitável um blazer, que poucas vezes é preto e mais vezes é azul. Quem quiser fazer uma piada pode dizer que os jovens socialistas têm farda. Mas a verdade é que o mesmo não se aplica às raparigas, nem sequer a todos, todos, todos os rapazes - além de não ser assim tão justo avaliar o que quer que seja pela estética.
Então há José Sócrates. Aborde-se um militante da JS sobre os seus sentimentos em relação ao antigo líder, que ele provavelmente vai dar uma resposta estudada. "Que a justiça faça o seu trabalho e o condene se de facto for culpado", diz Catarina Lourenço, e toda a gente anui. Quando a conversa continua, cai outro pano: "Foi um líder importante e motivador", diz Ana Rita Santos, de Bragança: "Diga-se o que se disser, era um homem que tinha uma visão para o país." Sócrates é um património e também uma desilusão. Haja a diversidade de opiniões que houver - a tourada, por exemplo, é uma questão que divide opiniões dentro da organização -, também há isto: qualquer jovem socialista sabe dançar o elogio fúnebre de Sócrates.
O estigma de se ser da jota
Porque é que estes rapazes e estas raparigas estão aqui? Porque é que passam os fins de semana a viajar pelo país, a pagar hotéis e refeições do seu bolso, a gastar tempo em reuniões para discutir o que ninguém da sua geração parece estar interessado em debater? "Há um preconceito com as juventudes partidárias", diz Ana Rita Santos. "A maioria das pessoas acredita que estamos aqui para arranjar um tacho, quando temos tanta despesa." A rapariga encontrou até uma alcunha para explicar a sua relação com o partido: "Há o PS e depois há o Pai S. Sem o apoio das nossas famílias dificilmente poderíamos fazer luta política."
"O que nós queremos é atrair gente para a cidadania ativa", diz na despedida Ivan, o líder da JS. As legislativas de 2015, as que fizeram dos socialistas governo, foram as que tiveram a maior abstenção de sempre: 43,07%. Apesar de não haver números específicos sobre os escalões etários, toda a gente aqui concorda que o desinteresse é superior nos mais novos, mas também que isso é território de sementeira para o populismo.
Há ou não há tachos? "Queres fazer uma ronda pela mesa e ver quantos é que estão na política?", desafia Ivan em modo de tira-teimas. Nesse momento estão 13 pessoas sentadas à volta da mesa. Um é deputado, dois são funcionários da JS, um é assessor na Assembleia da República e outro na Fundação Res Publica, afeta ao PS. Depois há Valentino, o promotor de brindes, que também é professor universitário e assessor no Ministério das Finanças. Todos os outros, tirando um estudante do secundário e um fisioterapeuta, são alunos de Direito ou advogados estagiários. A aposta, pelo menos desta vez, não lhe correu muito bem.