No vale de Quito nasceu mais uma Cinderela do futebol mundial

Num ano em que já se viveram títulos inéditos e histórias de espantar, do Leicester à seleção portuguesa, um pequeno clube equatoriano junta-se à festa: eis o Independiente del Valle
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Quando, na próxima madrugada (01.45, hora portuguesa), se der o pontapé de saída na primeira mão da final da Taça Libertadores, será a primeira vez nos últimos 25 anos que na decisão da "Champions" da América do Sul não vai estar em campo qualquer equipa brasileira ou argentina. Numa temporada propícia à revelação de histórias surpreendentes e à celebração de títulos inéditos no futebol mundial, a principal competição sul-americana de clubes também trouxe à cena a sua própria Cinderela, protagonizada pelo Independiente del Valle, do Equador.

Se os colombianos do Atlético Nacional também conseguiram surpreender ao afastar, nas meias-- finais, o gigante brasileiro São Paulo, três vezes campeão da prova, é no entanto a história do pequeno clube equatoriano saído da paisagem montanhosa de Quito que reclama a maior parte da admiração e atenção mediáticas internacionais. E é fácil de perceber: afinal de contas, o Atlético Nacional até já foi campeão da Libertadores, em 1989, com uma equipa lendária dirigida pelo reputado treinador Francisco Maturana e que tinha figuras como o guarda-redes Rene Higuita ou o infeliz defesa Andres Escobar, assassinado no regresso à Colômbia após um autogolo no Mundial de 1994.

Por essa altura, o Independiente del Valle andava perdido ainda nas profundezas do terceiro escalão do futebol equatoriano. Por onde andou, de resto, durante a maior parte dos seus 58 anos de vida (que começaram nas instalações de uma sapataria local, em 1958). E de onde só saiu, na verdade, há pouco tempo, com as sementes do bem-sucedido projeto atual: em 2007 ganhou o título da terceira divisão, logo depois de um grupo de empresários locais ter tomado conta do clube e lhe ter mudado o nome: de Club Social y Deportivo Independiente José Terán para Club de Alto Rendimiento Especializado Independiente del Valle, a versão atual.

Até então um clube na sombra dos principais emblemas da capital, o Independiente del Valle, sediado em Sangolquí - uma cidade-dormitório encaixada no vale de Los Chillos, nos arredores de Quito, em plenos Andes -, subiu pela primeira vez à principal divisão do futebol equatoriano em 2010 e esteve já perto de se sagrar campeão em 2013, quando terminou o campeonato em segundo lugar, garantindo a sua primeira participação na Taça Libertadores. Este ano, à terceira presença apenas na principal competição sul-americana de clubes, o Independiente surpreendeu tudo e todos quantos lhe apareceram pelo caminho até à final.

Para isso, tornou-se até a primeira equipa na história da competição a conseguir eliminar na mesma edição os gigantes argentinos River Plate (nos oitavos-de-final) e Boca Juniors (nas meias-finais, com uma vitória por 3-2 na segunda mão, em pleno estádio La Bombonera, com Maradona a assistir). Agora, para completar esta transformação da mais recente Cinderela do futebol mundial, sobra o Atlético Nacional como obstáculo final a ultrapassar para que o pequeno Independiente se sagre como rei futebolístico da América do Sul, mesmo sem ter ainda o título equatoriano no palmarés.

Aposta forte na formação

Na base do surpreendente trajeto da equipa de Sangolquí está uma mistura entre aposta na formação (o clube já exportou nos últimos anos vários talentos, dos quais o mais conhecido será Jefferson Montero, atualmente no Swansea, e a média de idades da equipa atual ronda os 23 anos), estabilidade no comando técnico (o uruguaio Pablo Repetto é o treinador há já quatro anos, caso raro no futebol sul--americano), uma gestão rigorosa (orgulha-se de não acumular dívidas como os gigantes de Quito) e, nesta campanha da Libertadores, tem ajudado também a fortaleza proporcionada pela altitude da capital equatoriana (2850 metros).

Mesmo obrigado a jogar no Estádio Olímpico Atahualpa, em Quito, a partir dos oitavos-de-final - porque o seu pequeno campo General Rumiñahui, em Sangolquí, tem capacidade apenas para 7000 espectadores - o Independiente só não ganhou um dos sete jogos como anfitrião nesta Libertadores [empate a 1-1 com o Colo Colo na fase de grupos]. De resto, na fase a eliminar, aproveitou sempre a primeira mão em casa para ganhar vantagem na eliminatória.

Ajuda às vítimas do terramoto

Além das façanhas em campo que projetaram heróis como o guarda-redes Azcona, o n.º10 Sornoza ou os avançados Cabezas e Angulo, todos eles agora bastante cobiçados, o Independiente del Valle conquistou ainda o coração de todos os equatorianos, mesmo os de emblemas rivais, quando decidiu convidar adeptos de todos os clubes para os seus jogos na Libertadores, a partir dos oitavos-de-final, e doar as receitas às famílias das vítimas do forte terramoto que abalou o Equador em abril passado, matando mais de 650 pessoas.

O presidente Franklin Tello prometeu já fazer o mesmo com as receitas do jogo da próxima madrugada, no qual o Independiente terá a oportunidade de começar a escrever, nos vales de Quito, a quase 3000 metros de altitude, um feliz capítulo final para mais este conto de fadas do futebol mundial.

FIGURAS


Pablo Repetto, um líder forte no banco
Uma lesão grave cortou a carreira nos relvados a este uruguaio e antecipou a aposta nos bancos. Começou na segunda divisão, em 2006, chegou a campeão com o Defensor Sporting, em 2010, e está desde 2012 no Independiente del Valle. Aos 42 anos, pode chegar ao seu primeiro grande título.

Librado Azcona, herói na baliza
É o mais veterano do atual plantel (32 anos) e um verdadeiro talismã na baliza. Nascido no Paraguai, foi contratado em 2010 ao Liga de Loja, após quase ter impedido a subida de divisão do Independiente. Já fez 52 defesas nesta Libertadores, entre elas penáltis decisivos (Pumas, Boca).

Júnior Sornoza, um zorro nº 10
O "zorro velho", como lhe chamam, é um criativo baixinho (1,66 m) de 22 anos que honra a camisola 10 com técnica, assistências, golos e especial apetência para lances de bola parada. Com seis golos nesta Libertadores, foi a chave na campanha do Independiente e tem já uma mudança iminente para o Fluminense.

Jose Angulo, goleador pretendido
Considerado uma das grandes promessas da nova geração do futebol equatoriano, o avançado de 21 anos marcou cinco golos nesta prova. O clube já rejeitou uma oferta de quatro milhões de euros dos brasileiros do Palmeiras, mas Atlético Madrid, Sevilha e Stoke City também o cobiçam.

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