No meio da Europa – no meio da pandemia

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A Europa já entrou no terceiro mês de combate ao coronavírus. Aparentemente, conseguimos conter a primeira onda da sua propagação, mas a pandemia arrastar-se-á no tempo, com consequências económicas imprevisíveis.

Na Hungria o primeiro caso de contágio foi registado em 2 de Março de 2020 e foi no dia 15 de Março que ficámos de luto por causa da primeira vítima mortal. Ao mesmo tempo, as medidas destinadas ao combate tinham começado bastante mais cedo. Em 31 de Janeiro de 2020, foi constituído, com a participação dos ministérios e autoridades competentes, o Grupo Operacional responsável pelo Combate ao Coronavírus, sendo este órgão responsável, desde então, pela coordenação desse combate. O estado de excepção está em vigor desde 11 de Março, conduzindo à adopção de várias medidas restritivas, desde o encerramento das escolas até às restrições à livre circulação de pessoas. De acordo com os dados de 11 de Maio, na Hungria registam-se 3.280 pessoas infectadas com coronavírus e o número de óbitos é de 421. A população húngara -tal como a portuguesa - tem vindo a demonstrar uma paciência, capacidade e disponibilidade para sair da sua zona de conforto que ultrapassaram todas as expectativas. Esta capacidade foi um importante contributo para, face às estatísticas epidemiológicas favoráveis, o Governo poder decidir pelas medidas de alívio gradual. Iniciou-se a segunda fase do combate. Isto não significa o fim da pandemia, o vírus continua a propagar-se e, entre outras medidas, teremos que continuar a prestar uma especial atenção à população mais idosa. Mas, seguindo um guião rigoroso, a vida social volta a arrancar, e os exames finais das escolas secundárias já foram realizados no final da semana passada.

Ganhámos tempo e mantivemos o número de vítimas tão baixo quanto possível. Agora temos que nos concentrar em garantir, dentro das possibilidades, um ponto de partida favorável para a retoma. Os prognósticos económicos são pessimistas, mas a situação certamente não é sem remédio.

Todos os países adoptaram formas diferentes de enfrentar o vírus. Nasceram soluções adoptadas em âmbito nacional, procurando todos os países defender os seus cidadãos, ajudando, dentro das suas possibilidades, os outros países. As formas de combate são fortemente influenciadas por uma série de factores, desde a localização geográfica, passando pelo desenvolvimento económico, até aos costumes sociais.

Em virtude da sua dimensão, população e indicadores económicos, Portugal e a Hungria são dois países facilmente comparáveis. Por outro lado, a Hungria fica no coração da Europa Central, sendo rodeada por sete países. É nosso princípio fundamental é procurar manter relações construtivas, baseadas no respeito mútuo com os países vizinhos. E não poderia ser de outra maneira: a nossa interdependência é grande, mesmo em tempos ditos "normais", sendo aumentada numa medida nunca antes vista nos tempos de pandemia, em tudo o que diz respeito à defesa dos cidadãos, à garantia de um abastecimento ininterrupto e à manutenção da operacionalidade da economia. No contexto da epidemia, cada um dos países tem de adoptar medidas nacionais, mas na nossa região historicamente interligada essas medidas acabam por ter um significativo impacto nos países limítrofes e da mesma região. As nossas comunidades estão ligadas por estreitos laços históricos, culturais e económicos. Nos países limítrofes vivem centenas de milhares de húngaros e são dezenas de milhares as pessoas, húngaras e de outras nacionalidades, que atravessam diariamente a fronteira por razões laborais. O balanço comercial entre a Hungria e os países vizinhos no ano passado foi de 42 mil milhões de euros. Uma missão fundamental para a diplomacia húngara ao longo destes meses difíceis foi manter a unidade da nossa região, em permanente diálogo com os nossos vizinhos que partilham connosco esse interesse comum. Ao longo das últimas semanas, os ministros dos negócios estrangeiros têm estado em conversações constantes e desde o encerramento das fronteiras em 17 de Março já conseguimos abrir 46 pontos de passagem rodoviários para os trabalhadores fronteiriços.

O sentimento de coesão e de destino comum no seio da Europa Central revelou-se, ao longo dos meses da crise, com maior clareza que nunca. Os V4, a Cooperação de Visegrád, um fórum de grande tradição histórica que une a Hungria, a Polónia, a República Checa e a Eslováquia, leva, uma vez mais, uma nota positiva. A solidariedade e coesão na Europa Central funcionou bem, tanto a nível político como em questões práticas. A título de exemplo, a Hungria trouxe para casa muitos cidadãos da região e os cidadãos húngaros puderam, também, recorrer às iniciativas de repatriamento levadas a cabo por países do V4 e países vizinhos.

Desde a sua adesão à UE, a Hungria tem vindo a defender e a empenhar-se pela causa do alargamento europeu aos Balcãs Ocidentais. Durante esta crise pandémica, temos vindo a apoiar esses países amigos, ajudando o seu combate contra o vírus, em palavras e actos. Assim, a Hungria enviou equipamento de protecção para a Sérvia, a Bósnia e Herzegovina, a Albânia, a Macedónia do Norte e Montenegro.

Num mundo globalizado, quando o confinamento começou, dezenas de milhares de húngaros encontravam-se no estrangeiro, de férias ou a trabalhar. A maior acção de repatriamento levada a cabo alguma vez pela Hungria está a decorrer há três meses. Até agora, os serviços da acção externa da Hungria ajudaram a mais de 9000 cidadãos retornarem para casa. Uma considerável parte deste processo decorreu num quadro europeu, em cooperação com outros países, sendo que nos voos de repatriamento organizados por Portugal dezenas de cidadãos húngaros puderam voltar para casa a partir de países de difícil acesso como Peru, Guiné-Bissau ou Moçambique. A cooperação entre a nossa Embaixada e as autoridades portuguesas tem sido excelente.

A rede diplomática húngara participou, também, nas acções de protecção da saúde. A aquisição e entrega de mais de uma centena de milhões de máscaras cirúrgicas e de centenas de ventiladores foi um enorme desafio. Em paralelo ao rápido desenvolvimento da produção nacional, as aquisições no mercado internacional, sobretudo chinês, tem desempenhado um papel de chave. Neste momento, os equipamentos de protecção estão disponíveis numa quantidade suficiente para vários meses e a produção de equipamentos também arrancou.

As medidas até agora tomadas pelo Governo húngaro no combate ao coronavírus tem-se revelado eficazes, as estatísticas estão a ser favoráveis. Para fundamentar estas medidas, o Governo húngaro, à semelhança de todos os outros Governos, adoptou uma ordem jurídica de excepção. Tal como a maioria destes enquadramentos legais de excepção, a vantagem da solução húngara reside não em atribuir direitos especiais , mas em possibilitar uma rapidez excepcional nas respostas do poder executivo, destinadas a fazer frente a uma situação de emergência. Pela Europa fora, temos vindo a adoptar soluções diferentes para este desafio. A lei húngara relativa ao combate ao coronavírus, aprovada em 30 de Março, infelizmente tem vindo a ser mal interpretada com frequência, e a Hungria foi alvo de vários ataques infundados nessa matéria.

A título de esclarecimento, algumas constatações importantes a propósito da ordem jurídica húngara: A lei aprovada autoriza a adopção de medidas excepcionais apenas no contexto do combate contra o coronavírus. Ou seja, o Governo não pode aprovar decretos que não estejam relacionados com esse objectivo. A aplicação da Constituição não poderá ser suspensa durante a vigência da ordem jurídica de excepção. A Assembleia Nacional, poderá, em qualquer momento, revogar ou alterar a autorização especial dada ao Governo, não se tratando, por isso, de uma vigência ilimitada no tempo. A acusação, segundo a qual no novo quadro jurídico criticar o Governo passa a ser um acto punível, é falsa. Não é assim. A lei limita-se, apenas, a alterar as disposições do Código Penal, prevendo novas sanções contra aqueles que prejudiquem de forma consciente e intencional, através da difusão de notícias falsas, os esforços governamentais desenvolvidos no combate ao coronavírus. Relativamente ao conceito da desinformação, adoptamos a definição que lhe é dada pela Comissão Europeia. As comunicações de teor particular não são puníveis e a lei também não se aplica às opiniões contra o Governo, por mais críticas que sejam.

Paralelamente ao combate à pandemia, a retoma da actividade económica constitui outra enorme tarefa. O maior desafio que enfrentamos será a diminuição do nível de emprego. As medidas de protecção económica na Hungria terão como enfoque esta questão. O objectivo declarado do Governo húngaro é criar o mesmo número de postos de trabalho que o vírus eliminou. Para tal, o Governo disponibiliza milhares de milhões de euros para a economia através de benefícios fiscais, créditos destinados ao apoio do desenvolvimento empresarial, um fundo de defesa da economia e créditos bonificados. As experiências de gestão de crises adquiridas pelo Governo húngaro depois de 2010 são agora preciosas, as lições nessa altura apreendidas não serão esquecidas. Nos anos que passaram desde 2010, conseguimos mobilizar uma economia em crise e, até 2019, torná-la numa das economias de melhor desempenho a nível europeu. No entanto, em 2010, a necessidade de retoma só se aplicava à economia. Desta vez, temos que recomeçar a nossa vida também.

Partilhamos este desafio com todos os países do mundo atingidos por esta crise. O desafio, por tanto, é comum, e ao darmos a nossa resposta temos que encontrar soluções comuns, que num curto prazo garantam a retoma da nossa vida para, num prazo mais prolongado, tirarmos as conclusões desta crise, aumentando a resiliência da Europa e dos seus Estados-Membros, diminuindo a sua vulnerabilidade e exposição global.

Embaixador da Hungria em Portugal

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