No coração da cratera em busca de Antília
Se há um local, no território nacional, em que as histórias perdidas nos confins da memória são mais fáceis de aceitar que o mero registo geológico, esse é, sem dúvida, a cratera das Sete Cidades, na açoriana ilha de São Miguel.
Na rota da "Expedição Aos Caminhos do Paraíso", organizada pela revista Todo-Terreno, com apoio do Diário de Notícias e Açoreano Oriental as Sete Cidades, além de constituírem um dos ex-libris do arquipélago, com as suas duas lagoas no fundo na enorme cratera, continuam a ser um destino dominado por um certo misticismo romântico ou exortação do fantástico.
Das oito lendas que os participantes na expedição poderão recolher nesta primeira etapa, duas têm um sabor especial; a clássica da princesa e do pastor que se apaixonam num amor impossível, dando as suas lágrimas origem às duas lagoas - uma verde e outra azul, tal a cor dos olhos - e a da Antília, a mítica Atlântida onde, em tempos uma caravela portuguesa terá aportado e desembarcado três frades, que ali encontraram uma civilização distribuída por sete cidades. A tal ponto a paisagem excita o imaginário, que não faltam referências, de numerosos autores, à suposta ligação das Sete Cidades com a Atlântida. Edgar Pierre Jacobs, o notável autor de banda desenhada criador de "Blake & Mortimer" situa ali o "Enigma da Atlântida" (1955) revelando uma extraordinária civilização escondida no subsolo, debaixo das lagoas, terminando a epopeia precisamente com o esvaziamento dos lagos, para dar espaço à partida de centenas de naves espaciais, levando os atlantes para outro planeta.
Entre um delicioso aperitivo de queijo fresco com massa de pimentão e uma piéce de resistence de entrecosto com morcela frita e ananás a caravana terá oportunidade de reflectir e especular sobre as fantasistas hipóteses que rodeiam as origens, precisamente na povoação de Sete Cidades.
Voltando aos trilhos, as histórias fantásticas podem continuar, mais tarde, no Farol da Ferraria - subida à torre obrigatória - onde a vigília perpetua memórias e o facho mantém à distância uma navegação nem sempre fácil, como atestaram as ondas de nove metros provocadas pela tempestade da última semana.
O regresso a Ponta Delgada está destinado a terminar de forma exótica, com o jantar na Fábrica de Tabacos Estrela, onde uma operária cubana, evidenciando a perícia de muitos anos, enrolará um puro - coroa, meia-coroa ou robusto - tornando as recordações do dia num etéreo anel de fumo.