No ano do regresso do Joker

Podemos estar optimistas em relação ao próximo ano cinematográfico. Variedade será a palavra de ordem, dos filmes já premiados internacionalmente, como <em>Anatomia de uma Queda</em> e <em>Pobres Criaturas</em>, até uma série de reposições de Jean-Luc Godard. Sem esquecer o regresso de Joaquin Phoenix, novamente como<em> Joker</em>, bem acompanhado por Lady Gaga.
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Há cerca de oito meses, mais precisamente no dia 4 de abril, o realizador Todd Philips utilizava a sua conta de Instagram para noticiar a conclusão das filmagens de Joker: Folie à Deux, uma continuação, ou derivação, do seu Joker (2019). Usava a expressão típica da indústria, "that"s a wrap" ("está feito" ou, à letra, "está embrulhado"), e publicava fotos dos protagonistas: Lady Gaga, no papel de Harley Quinn, e Joaquin Phoenix, "oscarizado" com a sua performance no primeiro filme. A estreia está marcada para 4 de outubro de 2024 e não parece arriscado supor que Joker: Folie à Deux será uma das "bandeiras" do ano cinematográfico.

Aliás, pode muito bem acontecer que o novo Joker abra o Festival de Veneza (26 agosto/7 setembro), onde o primeiro arrebatou o Leão de Ouro. Nesta perspetiva, parece também óbvio que o Festival de Cannes (14/25 maio) está "obrigado" a revelar Furiosa: A Mad Max Saga, de George Miller, não apenas porque o respetivo lançamento global acontecerá a 23 de maio, mas sobretudo porque o seu antecessor, Mad Max: Estrada da Fúria, foi um dos momentos de euforia na edição do mesmo certame, em 2015.

Quer isto dizer que, com resultados "melhores" ou "piores", 2024 será mais um ano dominado por uma avalanche de sequelas mais ou menos disfarçadas de novidade? Convenhamos que, apesar de tudo, 2023 não foi pontuado por produções de rotina com o emblema da Marvel e afins... Mas é um facto que no novo ano as reedições não faltarão, incluindo Deadpool 3, Gladiador 2, Beetlejuice 2, Cruella 2, Bad Boys 4, Caça-Fantasmas: O Império do Gelo e Mufasa: O Rei Leão...

Seja como for, mesmo prevendo que haverá muito mais dinheiro para o marketing de tais filmes, "bons" ou "maus", os primeiros meses do ano anunciam-se, no mínimo, muito variados - e só mesmo por distração ou hipocrisia não reconheceremos que, para lá dos desequilíbrios crónicos do mercado português, a diversificação da oferta tem vindo a melhorar nos últimos anos.

Assim, nas primeiras semanas do ano teremos mais alguns títulos que, de uma maneira ou de outra, surgirão nas nomeações para os Óscares. Lembremos: Ferrari (4 janeiro), retrato intimista de Enzo Ferrari assinado por Michael Mann, com Adam Driver; A Zona de Interesse (18 janeiro), de Jonathan Glazer, metódica observação da desumanização do sistema nazi, adaptando o romance de Martin Amis; Pobres Criaturas (25 janeiro), de Yorgos Lanthimos, com Emma Stone, este ano vencedor em Veneza; Anatomia de uma Queda (1 fevereiro), intenso drama de tribunal de Justine Triet, Palma de Ouro em Cannes; ou ainda Vidas Passadas (8 fevereiro), longa-metragem de estreia de Celine Song, canadiana de origem sul coreana, que parece vocacionada para ser a coqueluche da produção independente na temporada de prémios. Sem esquecer Os Excluídos (15 fevereiro), comédia dramática com Paul Giamatti, que marca o regresso de Alexander Payne à realização, seis anos depois do falhanço comercial de Pequena Grande Vida.

Mesmo quando assinados por nomes conhecidos do chamado grande público, a maior parte destes títulos estão ligados a contextos muito particulares (os prémios, desembocando nos Óscares) ou também apoiados por campanhas fortes. O que não impede que lembremos que o ano deverá ser marcado por contrastes (temáticos, geográficos, de produção, etc.) que justificam atenção.

Lembremos, por isso, projetos tão singulares como: Anselm - O Som do Tempo (4 janeiro), em que Wim Wenders usa o 3D para nos iniciar no mundo fascinante do pintor e escultor Anselm Kiefer; O Corno do Centeio (11 janeiro), um drama passado na Galiza, dirigido por Jaoine Camborda, vencedor do Festival de San Sebastian, tendo o português Rodrigo Areias como coprodutor; O Pior Homem de Londres (8 fevereiro), também de Rodrigo Areias, neste caso como realizador, a encenar uma história sobre os bastidores da arte dos pré-rafaelitas; Priscilla (7 março), retrato de Priscilla e Elvis Presley por Sofia Coppola; e ainda Trap (1 agosto), novo thriller de M. Night Shyamalan que integra a veterana Hayley Mills como uma das intérpretes principais.

Para lá de todos estes títulos, que estão longe de contemplar a variedade da oferta que vamos ter em 2024, vale ainda a pena sublinhar que o mercado irá continuar a acolher títulos mais ou menos "antigos", ajudando-nos a revisitar alguns capítulos fundamentais da história do cinema. Exemplo que, para já, importa destacar será a reposição (a partir de 22 fevereiro) de uma dezena de obras da filmografia de Jean-Luc Godard - vai de O Acossado (1960) a Valha-me Deus (1993), incluindo Détéctive/Mafia em Paris (1985), um policial heterodoxo e genial, muito pouco conhecido, protagonizado por Johnny Hallyday.

A abundância de candidatos aos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas
é reveladora de um ano recheado de contrastes fascinantes. Entretanto, as plataformas de streaming têm títulos fortes para os prémios principais.

Em todo o mundo, o verão cinematográfico de 2023 foi marcado e, mais do que isso, dominado pelo fenómeno "Barbenheimer". A saber: o lançamento simultâneo de Barbie, uma comédia sobre a boneca homónima, e Oppenheimer, recordando a produção das primeiras bombas atómicas. De tal modo que faz sentido perguntar se tal fenómeno se poderá repercutir nos próximos Óscares - a edição nº 96 na história da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood está marcada para 10 de março de 2024, no Dolby Theatre.

Segundo os sites americanos (Variety, Gold Derby, etc.) que investem num trabalho estatístico e especulativo sobre possíveis vencedores e vencidos, Barbie e Oppenheimer estarão, obviamente, na lista dos candidatos ao Óscar de melhor filme. Tal como os seus realizadores, Greta Gerwig e Christopher Nolan, na respetiva categoria, a par, por exemplo, de Martin Scorsese, com Assassinos da Lua das Flores.

A presença do filme de Scorsese em todas as listas de previsões arrasta uma pergunta que, em boa verdade, tem sido repetida ao longo dos últimos anos: poderá uma das grandes produções das plataformas de streaming arrebatar a estatueta dourada mais cobiçada, isto, o Óscar de melhor filme? Assassinos da Lua das Flores tem chancela da Apple, mas parece ser a Netflix que parte com mais "avanço" nesta corrida. Afinal de contas, entre as suas produções mais fortes (que têm estado a chegar à plataforma, depois de passagens mais ou menos breves pelas salas) estão Maestro, de e com Bradley Cooper, sobre a vida musical e privada de Leonard Bernstein, e O Assassino, thriller hiper-sofisticado assinado por David Fincher.

Curiosamente, entre os candidatos mais sérios aos Óscares principais ou, pelo menos, à lista das nomeações, estão também os vencedores dos festivais de cinema de Cannes e Veneza. São eles, respetivamente, Anatomia de uma Queda, de Justine Triet, e Pobres Criaturas, de Yorgos Lantimos - as nomeações para os Óscares serão anunciadas a 23 de janeiro. Aconteça o que acontecer, parece evidente que a diversidade da produção de 2023, incluindo títulos que suscitam paixões desencontradas, como o Napoleão de Ridley Scott, conseguiu mobilizar espectadores em número que, mesmo não atingindo valores pré-pandemia, mostra que o "abandono" das salas parece ser uma notícia francamente exagerada. dnot@dn.pt

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