No Alive há rock com lições de educação

Benjamin Booker tem voz e talento e uma mãe que lhe ensinou umas coisas. Ninguém se importou, afinal havia mais: Kodaline, Imagine Dragons e Depeche Mode...
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"A vossa mãe nunca vos disse que se não têm nada de simpático para dizer não digam?" O reparo saiu com naturalidade a Benjamin Booker, como reação a algum comentário que ouvira após ter aconselhado o público a ficar no recinto do palco Heineken para o concerto seguinte, de Spoon. Foi um momento estranho, de um concerto que tinha tudo para resultar - e até funcionou musicalmente, apesar de um início com algumas falhas no som. O músico norte-americano tem um repertório que se estende do blues ao rock mais pesado e até à soul. A voz rouca e poderosa e a guitarra de Booker foram bem acolitadas pelos instrumentistas com que se fez acompanhar.

Após quatro temas a rasgar, largou a guitarra, puxou de um cigarro e cantou que queria acreditar nalguma coisa (Believe) e mais tarde deu a boa-nova ("aleluia, estamos fora de pé"). O rock assenta-lhe bem, mas as massas - entre o blues dos portugueses Black Mamba e a pop dos irlandeses Kodaline no palco NOS - não deram por Benjamin Booker, que veio dar a conhecer-se e ao seu recente disco, Witness. É certo que no grande palco os Depeche Mode eram a atração (e antes disso Imagine Dragons chamou a garotada), mas o dito palco secundário apresentava, após Spoon, propostas tão variadas quanto interessantes: Fleet Foxes, Cage The Elephant, The Avalanches e Peaches. Tudo menos uma pessegada.

Espalhar amor

À segunda noite do NOS Alive, pela média de idades mais alta do que no dia anterior e pelo número de T--shirts alusivas, era óbvio que parte significativa da multidão estava ali para prestar culto aos Foo Fighters. Pelo meio havia The Kills e isso acabou por ser um estorvo para aquela multidão. A banda de Allison Mosshart e Jamie Hince inscrevera em 2012 uma das mais gloriosas páginas do Alive, no palco secundário. Mas agora os mesmos heróis de há cinco anos saíram de palco quase sob a indiferença cruel de quem não lhe reconhece mérito, mesmo perante pérolas como Future Starts Slow ou Doing It to Death, nem na impecável atitude rocker, ou na entrega ao espetáculo. O espírito de festival, por momentos, ficou em suspenso. Na segunda noite cavou-se uma divisão entre os Foo Fighters e o resto. Até na programação: se por vezes o espectador se vê obrigado a saltitar entre palcos (ou a lamentar ter de optar por uma banda em detrimento de outra), com o grupo de Dave Grohl quase não houve concorrência. No palco Clubbing não esteve ninguém e o Heineken esteve inativo em parte - calhou aos Local Natives o papel de entretenimento pré-Foo Fighters.

Kelcey Ayer e companhia bem fizeram por prender o público: o vocalista andou entre o público, e até deu uma perninha na percussão ao mesmo tempo que cantava e tocava sintetizador. Mas tirando um público conhecedor da banda de Los Angeles, que se manteve fiel, deu-se a debandada para o palco principal.

Muito se poderia especular sobre o facto de um dos temas do cânone do rock, Whole Lotta Love, dos Led Zeppelin, que se ouvia em baixo volume, ter sido interrompido pelo ruído de uma guitarra. Mas não houve tempo para pensar se foi ou não propositado: Dave Grohl não demorou a perguntar ao público se este estava pronto para o que viria a seguir. De seguida atacou All My Life e foi o início de um concerto de quase duas horas para satisfazer os fãs e curiosos.

Grohl sabe distrair as multidões como poucos, não só enquanto cantor e guitarrista, mas também enquanto entertainer. Por exemplo, no momento de apresentar os restantes membros da formação tocam excertos de clássicos - um deles dos The Cult, num gesto simultâneo de homenagem e humilhação, uma vez que naquele trecho transmitiram mais energia e competência do que a banda de origem inglesa no concerto inteiro.

À 01.30, para quem já tinha as meninges exaustas pela rockalhada, um bálsamo foi anunciado via trompete: era o grupo do DJ austríaco Parov Stelar a começar. Uma feliz combinação de eletrónica com metais (além do referido trompete, saxofone e trombone), baixo, bateria e a vocalista Cleo Panther, dona de forte presença em palco. "Vamos espalhar amor", prometeu a checa. Pelo menos boas vibrações, sem dúvida.

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