No Alentejo que é do Partido Comunista ou que já o foi

Nas autárquicas de 2013, a CDU teve a sua melhor votação em Mora. Mas os bons resultados têm sido uma constante numa terra que já trabalhou de sol a sol. No Redondo, foi um ex-CDU que teve o melhor resultado como independente.
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A história e a maior votação da CDU nas autárquicas de 2013

É pela pesca desportiva praticada nas margens da Ribeira da Raia e pela prova do vinho novo produzido em talhas de barro, que todos os anos se realiza no segundo fim de semana de dezembro, que a vila de Cabeção se tornou conhecida. Mas a história desta povoação, fundada pela Ordem de Avis e elevada à categoria de vila pelo rei D. Sebastião, é fundamental para compreender o motivo pelo qual a CDU obtém no concelho de Mora votações expressivas, eleição após eleição.

Teremos assim de recuar até meados do século passado, quando os assalariados agrícolas do Sul do país "não conheciam outro horário de trabalho que não fosse o escravizante horário de sol a sol", para utilizar as palavras de António Gervásio, militante comunista desde 1945, preso e torturado pela PIDE, que depois de ter escapado da prisão de Caxias dirigiu o movimento dos trabalhadores agrícolas que haveria de conduzir à conquista das oito horas de trabalho por dia. "A mais pequena luta era violentamente reprimida. Muitos milhares de trabalhadores agrícolas foram espancados, presos e alguns assassinados."

O protesto foi preparado através da realização de reuniões e plenários em várias vilas e aldeias, entre as quais Avis, Lavre (onde, anos mais tarde, José Saramago haveria de encontrar inspiração para escrever Levantado do Chão), Montemor-o-Novo, Couço ou ... Cabeção, para citar apenas algumas.

"O concelho de Mora e, sobretudo, a freguesia de Cabeção, foi sempre sede de um foco de importante resistência à ditadura e ao fascismo e isso explica, em parte, as votações que a CDU aqui obtém", diz ao DN José Manuel Pinto, antigo autarca e profundo conhecedor da realidade local. "Era frequente haver reuniões clandestinas em Cabeção, algumas com cento e tal pessoas, com a polícia política a vigiar mas sem conseguir impedi-las pois os trabalhadores rurais tinham as suas estratégias para iludir essa vigilância. Houve várias prisões, de pessoas que mais tarde viram a autarquia reconhecer a sua luta antifascista, e isso deixou marcas."

Nas últimas autárquicas foi no concelho de Mora que a CDU obteve a maior percentagem de votos a nível nacional, com uns expressivos 67,67%, que representaram a eleição de quatro dos cinco vereadores do município. A segunda força mais votada, o PS, ficou-se pelos 18,32%. Em Cabeção, a CDU chegou aos 74,7% dos votos. José Manuel Pinto nota, no entanto, que nem sempre esta diferença nas autárquicas foi tão acentuada. Nas primeiras eleições pós-25 de Abril, realizadas em dezembro de 1976, a vitória dos comunistas foi por uma "unha negra": 2140 votos (47,11%) contra 2113 do PS (46,51%). Nas seguintes, em 1979, já com a AD no terreno, a direita conseguia 35,64% mas a votação da coligação integrada pelo PCP, a APU, subia para 55,43% dos votos e o PS praticamente desaparecia do mapa eleitoral.

São estas contas que levam este antigo professor universitário, atualmente a trabalhar na área cultural do município de Mora, a acrescentar que se o peso da história é importante para explicar a votação obtida pela CDU o outro fator "decisivo" tem sido o reconhecimento do trabalho realizado ao longo dos últimos 41 anos, "sem sobressaltos nem problemas de maior". "Aquilo que não se vê, as infraestruturas, foi uma prioridade desde o primeiro momento, com as redes de eletricidade e de saneamento básico, com a recolha do lixo, a par de projetos de natureza sociocultural como a Casa da Cultura ou as piscinas e a abertura de cantinas em todas as escolas do concelho numa altura em que muitas crianças não tinham em casa refeições condignas. São coisas destas que acabam por dar resultados no futuro", acrescenta.

José Manuel Pinto, que chegou a desempenhar as funções de autarca eleito pela CDU e que hoje se encontra afastado da política ativa, refere ainda a construção do Fluviário de Mora, inaugurado há dez anos, como um dos projetos que ajudaram a "consolidar" as maiorias comunistas na autarquia: "Impediu que a hemorragia populacional que se sente em todos os municípios do interior, e Mora não foge à regra, fosse ainda maior do que aquilo que tem sido."

Nas eleições do próximo domingo, a CDU recandidata o atual presidente, o engenheiro agrícola Luís Simão, a concorrer para um terceiro mandato consecutivo, enquanto o PS candidata a independente Paula Chuço, desenhadora da construção civil e presidente da Associação de Pais da Escola Básica e Secundária de Mora, e o PSD avança com a candidatura do advogado Duarte Vaz.

Carisma dá-lhe o melhor resultado como independente

Mesmo sem uma vitória tão expressiva como a de 2009 (53,8% e quatro vereadores eleitos), foi no município de Redondo que um grupo de cidadãos independentes obteve a votação mais alta nas últimas autárquicas: 53,49% dos votos permitiram a eleição de António Recto e de mais dois vereadores. António Recto volta a recandidatar--se no próximo dia 1 de outubro, de novo à frente do Movimento Independente do Concelho de Redondo (MICRE) e novamente com a companhia de Alfredo Barroso como candidato à Assembleia Municipal.

A referência a Barroso é fundamental para explicar o sucesso da candidatura independente no concelho de Redondo pois deve-se a este ex-autarca comunista a fundação do MICRE, em 2005. Depois de gerir o município durante 22 anos, sempre eleito com maiorias absolutas em listas da CDU, Alfredo Barroso entrou em rota de colisão com o partido, tendo sido o modelo de gestão da água a "gota" que ditou a separação. O PCP retirou-lhe a confiança política. Barroso candidatou-se como independente, levou consigo uma boa parte dos militantes comunistas e ganhou a autarquia com uma nova maioria absoluta.

Para o historiador João Azaruja, que fala ao DN como "simples cidadão", o sucesso do MICRE explica-se pela capacidade de ter "sabido aproveitar o desinvestimento local" de PS e PSD, os dois partidos mais votados nas legislativas: "Não têm feito um investimento regular, e constante, nos seus candidatos a nível concelhio, na ligação às pessoas e às instituições locais, talvez por não olharem para este município como sendo prioritário" nas respetivas estratégias autárquicas.

Em paralelo com este "desinvestimento", acrescenta João Azaruja, o movimento independente "conseguiu sensibilizar para as suas listas, como candidatos ou como apoiantes, nomeadamente para a comissão de honra, pessoas que são transversais à sociedade redondense". Outra das razões que o historiador aponta para a votação obtida pelo MICRE é o "carisma" de Alfredo Barroso, residente em Évora, particularmente relevante num município cuja "microcultura" tende a penalizar os candidatos da terra, "recebendo muito bem quem vem de fora".

Além de António Recto, candidatam-se à presidência da Câmara de Redondo o técnico de desporto Luís Faleiro (PS), David Grave (CDU), que exerce funções como chefe de gabinete da presidente da câmara.

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