"Ninguém está a levar a sério o facto de a crise climática ser uma crise"

A luta climática tem vindo a escalar em Portugal. O fim dos combustíveis fósseis e a demissão do ministro da Economia, António Costa Silva, são as principais reivindicações.
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As últimas semanas foram intensas na luta climática em Portugal. Ocupações em escolas e faculdades, a detenção de quatro alunos, pedidos de demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, e a invasão da Ordem dos Contabilistas foram alguns dos momentos protagonizados por jovens que estão a lutar por um futuro melhor.

O coletivo Greve Climática Estudantil, um grupo de estudantes que luta pela justiça climática, organizou a ação Fim ao Fóssil: Ocupa!, que ao perturbar o funcionamento de escolas e universidades quis chamar a atenção para a questão climática. "As ocupações estudantis marcam uma nova etapa no movimento estudantil e no movimento pela justiça climática. Os estudantes estão a radicalizar-se e a escalar as suas táticas à medida que a crise climática escala também", afirma ao DN Noah Zino, porta-voz da Greve Climática Estudantil.

Estes jovens lembram que tiveram o apoio da sociedade civil, desde pais a professores e até figuras da cultura. "Felizmente vemos cada vez mais pessoas de todas as gerações a aperceberem-se que os tipos de ação usados até agora simplesmente não funcionam, não são eficazes e são parte da razão pela qual estamos a caminho do colapso. Ninguém está a levar a sério o facto de a crise climática ser uma crise", continua o porta-voz.

O coletivo fez ocupações na Escola Artística António Arroio, no Liceu Camões, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), no Instituto Superior Técnico e na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Estas ações começaram no dia 7 de novembro e no dia 14 anunciaram o fim das ocupações e o seu recomeço na primavera. Durante os protestos quatro estudantes e ativistas da Faculdade de Letras foram detidos depois de se recusarem a desocupar a universidade. O julgamento está marcado para esta terça-feira no Campus de Justiça, onde os jovens da Greve Climática Estudantil marcaram uma vigília em apoio a estes estudantes.

A Greve Climática Estudantil considera que o facto de alguns dos seus colegas terem sido detidos dá mais força ao movimento. "É extremamente poderoso ter pessoas que estão dispostas a sacrificar o seu presente em prol de um futuro, enquanto os governantes sacrificam o nosso futuro em prol de um pouco de lucro no presente".

As duas principais reivindicações destes jovens são o fim do uso de combustíveis fósseis até 2030 e a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva. "A ciência diz-nos que não podemos estar a usar combustíveis fósseis e que precisamos de atingir a neutralidade carbónica com urgência. O atual ministro da Economia é apenas um símbolo para a inércia total que existe no sistema para responder à maior crise que a humanidade já enfrentou", explica Noah Zino.

No dia 15 de novembro, os ativistas conseguiram uma reunião com o governante, no final da qual António Costa Silva afirmou que os jovens não lhe apresentaram qualquer proposta."Desde 2019 que a Greve Climática Estudantil apresenta planos concretos para a transição justa para os trabalhadores dos setores poluentes em direção a uma economia verde. E depois na reunião o ministro disse-nos que desconhecia o único plano económico que existe em Portugal compatível com a neutralidade climática, o relatório Empregos para o Clima", diz Noah Zino.

Quanto à COP27, que terminou no dia 19 de novembro e aconteceu no Egito, o porta-voz considera que foi um falhanço. "Em 27 COP"s, as emissões não só não estão a estagnar como estão a aumentar. A COP é desde sempre um falhanço e não podemos acreditar na mudança que sai de lá. Temos de ir para as ruas e fazer ação séria, já que os governantes continuam a brincar", afirma Noah Zino.

A conferência da ONU deste ano foi prolongada por mais um dia pois o primeiro texto apresentado não reunia consenso entre todos os países. No acordo final ressaltou-se a necessidade imediata e urgente de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, reafirmou-se o objetivo de conter o aumento da temperatura média abaixo de 2ºC relativamente aos níveis pré-industriais e de continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC. Os países também chegaram a um acordo quanto a um fundo de perdas e danos, que consiste num fundo de apoio aos países em desenvolvimento para lidar com os danos causados pelas alterações climáticas. Este acordo final causou desilusão a muitos grupos ambientalistas. O coletivo considera que da COP saiu apenas uma "legitimação absurda de um regime ditatorial".

A Greve Climática Estudantil vai continuar a fazer ações enquanto não recomeça as ocupações, e enquanto a crise climática escalar, também os trabalhos deste coletivo. Algumas das suas campanhas como a Gás é Andar para Trás , vão continuar a fazer ações até à primavera. "A crise climática continua a escalar e a inação das pessoas que supostamente são responsáveis por nos proteger continua a ser cada vez maior, então nós temos que responder a esta inação já que o resto da sociedade não o está a fazer", diz Noah Zino.

sara.a.santos@dn.pt

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