Nigéria pressionada para libertar raparigas reféns do Boko Haram

Libertação de 21 das raparigas sequestradas pelo Boko Haram há mais de mil dias fez reacender a esperança no resgate das restantes mas analistas avisam que não é tão fácil assim.
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A Nigéria enfrenta uma pressão crescente para localizar as mais de 200 raparigas sequestradas há mais de mil dias pelo Boko Haram, naquele que foi o pior ataque do grupo islâmico. A libertação de 21 dessas raparigas, num acordo negociado pela Suíça e pela Cruz Vermelha Internacional, reacendeu a esperança de que estejam vivas.

Durante mais de dois anos não houve sinal das raparigas raptadas de uma escola de Chibok, na zona nordeste da Nigéria, numa noite de abril de 2014. O incidente gerou uma campanha de solidariedade: #bringbackourgirls.

Para pais como Rebecca Joseph o regresso a casa das 21 raparigas no Natal foi um festejo agridoce. A sua filha, Elizabeth, é uma das 195 raparigas que continuam reféns do grupo jihadista, que tentou forçar algumas delas a converter-se ao islão e a casar-se com os raptores. "Estou feliz pelo facto de algumas raparigas terem voltado a casa, apesar de a minha filha não estar entre elas", disse Rebecca à reportagem da Thomson Reuters Foundation, em Chibok, no estado de Borno. "Rezo para que a minha filha e as restantes raparigas sejam resgatadas e voltem para as famílias."

Depois de já terem passado mais de mil dias sobre o sequestro das raparigas, o presidente nigeriano Muhammadu Buhari afirma estar comprometido com o regresso das mesmas o mais depressa possível. "Esperamos que muitas mais regressem", disse Buhari, que chegou ao poder em 2015 e substituiu um governo criticado por não fazer o suficiente para encontrar as raparigas. "As lágrimas nunca secam, a dor está nos nossos corações", declarou em comunicado.

O governo nigeriano disse no mês passado que estava envolvido em negociações para garantir a libertação de algumas das raparigas, quando o exército capturou um importante campo do Boko Haram, que era o último enclave do grupo na floresta de Sambisa. O número de raparigas de Chibok ainda em cativeiro está estimado em 195, mas chegar a dados exatos é difícil porque algumas delas desapareceram por completo.

Académicos e especialistas em segurança consideram um grande desafio conseguir a libertação das raparigas dada a importância que o rapto tem para o Boko Haram, o qual matou 15 mil pessoas ao longo dos sete anos de insurreição, destinadas a criar um Estado islâmico. "Fora da Nigéria, as raparigas de Chibok tornaram-se símbolos do conflito com o Boko Haram", afirmou Sola Tayo, do think tank britânico Chatham House. "A revolta global em relação ao sequestro valorizou os insurretos", declara a analista, sublinhando que o assunto foi também importante para Buhari, que fez a sua campanha para as eleições de 2015 também muito em torno da libertação das raparigas.

Em outubro passado o governo disse que não trocou combatentes do Boko Haram ou pagou resgates em troca da libertação das 21 raparigas, mas vários especialistas em segurança afirmaram ser bastante improvável que o grupo terrorista as libertasse a troco de nada. "Garantir a libertação das restantes raparigas necessitaria de concessões por parte do governo nigeriano, sendo que isso poderia reverter os ganhos conseguidos sobre o Boko Haram", afirmou Ryan Cummings, especialista em gestão de risco da consultora Signal Risk. "Além da libertação de combatentes detidos, o Boko Haram poderia também exigir abastecimentos, armas, veículos e até dinheiro e poderia usar tudo isso para se recalibrar e revigorar a sua campanha armada contra o Estado nigeriano", alertou o analista.

Um dos maiores obstáculos à libertação das raparigas de Chibok ainda em cativeiro são as divisões dentro do próprio Boko Haram, declarou Freedom Onuoha, analista em segurança da Universidade da Nigéria em Nsukka. Os militantes dividiram-se no ano passado, com uma das fações a distanciar-se do líder, Abubakar Shekau, por ele não ter aderido ao Estado Islâmico, grupo terrorista que controla zonas importantes do território da Síria e do Iraque e ao qual parte do Boko Haram jurou, em 2015, fidelidade.

Não se sabe ao certo quantas das raparigas de Chibok estão em poder da principal fação - liderada por Shekau (o qual se pensa que esteja baseado em Sambisa) - e quantas estão com a outra fação que decidiu juntar-se à causa do Estado Islâmico. Este segundo grupo é liderado por Abu Musab al--Barnawi e opera sobretudo na zona do lago Chade. "Será difícil libertar a maioria das raparigas, uma vez que cada uma das fações quererá mantê-las sob seu controlo para as usar nas negociações com as autoridades estatais, de acordo com os seus próprios termos", acrescentou Freedom Onuoha.

Enquanto o acordo para libertar as outras 21 raparigas foi visto pela opinião pública como uma vitória do governo, a falta de progresso nos esforços para salvar as restantes tem feito crescer um sentimento de frustração, consideram os académicos. Embora a Nigéria tenha conseguido expulsar o Boko Haram da maior parte do seu território, a sua guerra contra os terroristas não estará ganha enquanto o paradeiro das raparigas de Chibok não for esclarecido, afirmou Nnamdi Obasi, do International Crisis Group.

"Segundo várias informações, o mais provável é que nem todas as raparigas voltem a casa vivas, mas o governo deve aos seus pais - e à opinião pública em geral - a responsabilidade de se saber o que se passou com cada uma delas", sublinhou este analista nigeriano. "A longo prazo, essa será a única forma de encerrar este triste episódio", concluiu.

Jornalistas ao serviço da Thomson Reuters Foundation

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