Neta do comandante do Roberto Ivens diz que Portugal lida mal com tragédias
"Portugal está como estava há cem anos e não lida bem com estas coisas estranhas do 'inimigo às portas', como aconteceu com o submarino que pôs bombas à porta de Lisboa. O que quiseram fazer foi não criar pânico. Não deixar saber-se ...", disse Maria Fernanda Gargaté Cascais, neta mais velha do primeiro-tenente Raul Cascais, que comandava o caça-minas que naufragou ao colidir com uma mina alemã.
Na quarta-feira assinalam-se os cem anos do afundamento do navio caça-minas Roberto Ivens que explodiu ao embater numa mina colocada por um submarino alemão à entrada de Lisboa, tendo morrido 15 dos 22 tripulantes que se encontravam a bordo.
"A minha mãe tinha seis anos quando o meu avô morreu. O meu avô era muito novo, tinha 36 anos. O corpo nunca foi encontrado e quando faleceu deixou seis filhos: o mais velho teria oito anos e a mais nova tinha poucos meses", conta a neta mais velha do comandante Raul Cascais.
"A minha mãe lembrava-se do pai e fazia muita questão de dizer o que lhe tinha acontecido. Tinha a farda do meu avô que sempre nos mostrou. Fui criada com a fotografia do meu avô e que esteve sempre presente na sala dos meus pais e com os meus tios sempre a falarem do Roberto Ivens", recorda Maria Fernanda Cascais.
A localização exata dos destroços do caça- minas ocorreu apenas em 2015 tendo o Instituto Hidrográfico da Marinha colaborado com os trabalhos de investigação do arqueólogo Alexandre Monteiro, do Instituto de Arqueologia e Paleociências e do investigador Paulo Costa, do Instituto de História Contemporânea, da Universidade Nova de Lisboa.
Uma das fontes decisivas para detetar o Roberto Ivens foi a descoberta e a análise do diário de guerra do submarino alemão UC54 que lançou as várias minas a apenas quatro milhas náuticas a sul do forte do Bugio, na foz do rio Tejo.
A versão oficial, logo após a explosão, indicava que o campo de minas alemão estava mais afastado, a cerca de 12 milhas náuticas ao largo de Cascais.
O diário de bordo do Bérrio, o outro navio que participa na mesma operação de desminagem e que recolheu os sete sobreviventes do Roberto Ivens na tarde de 19 de julho de 1917, desapareceu apesar do relato de um dos tripulantes.
"Eu tinha uma carta de um dos marinheiros (o então grumete Tiago Gil) e que pedia uma homenagem aos mortos. Ele bateu-se a vida toda, para se fazer isto que se fez agora", conta Maria Teresa Cascais, referindo-se ao funeral militar organizado pela Marinha no passado dia 19 de julho.
Um século após o afundamento, realizou-se o funeral militar, a bordo da fragata Bartolomeu Dias, no local da explosão, com deposição de flores, pelo primeiro-ministro, e os disparos de três tiros de salva em memória das vítimas, efetuados a partir da corveta João Roby e na presença dos descendentes das vítimas.
"Nunca pensei assistir ao funeral do meu avô e dos outros marinheiros. Estou muito grata para com a Marinha e para com os investigadores. A minha morreu há dez anos. Teria sido uma grande uma emoção para ela, como foi para nós", disse referindo-se ao funeral militar que considera inédito.
"O país ainda não está muito preparado para fazer estas homenagens e há tanta gente que morre ingloriamente", afirma frisando o "sofrimento" das famílias das vítimas.
"Eu sei o que a minha avó passou e não sei se os portugueses não continuam a passar pelo mesmo. Muito morrem a defender a população, sejam eles bombeiros, polícias, médicos ou militares. Sabemos que as dificuldades que os familiares enfrentam são muito grandes e nisso ainda estamos aquém do que devíamos estar. É o que temos", conclui.